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As obras de Athos Bulcão vandalizadas nos atos golpistas

20 de janeiro de 2023

Ao lado de Oscar Niemeyer, o artista criou painéis gigantes de azulejos que integram vários edifícios de Brasília. Três obras de Athos Bulcão foram danificadas durante a invasão ao Congresso em 8 de janeiro.

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Trabalhadores reparam vidro que protege o Painel de Azulejos de Athos Bulcão no prédio da Câmara
Trabalhadores reparam vidro que protege o Painel de Azulejos de Athos Bulcão no prédio da CâmaraFoto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

"Ele teria ficado chocado", diz Valéria Cabral, secretária executiva da Fundação Athos Bulcão, entidade dedicada ao artista responsável pela identidade visual do plano piloto de Brasília, ao lado de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Cabral se referia à invasão criminosa do prédio do Congresso Nacional por bolsonaristas em 8 de janeiro. 

Das 15 obras de Athos Bulcão que integram o prédio do Palácio do Congresso, três foram danificadas:

  • Painel Vermelho (1978), localizado no Salão Nobre do Congresso Nacional; feito em madeira laqueada com tinta vermelha;
  • Muro Escultórico (1989), que forma uma parede divisória no Salão Verde da Câmara, por trás da qual fica a galeria de fotos dos ex-presidentes da Câmara dos Deputados;
  • Painel de Azulejos (1971) em branco e azul, que se estende por todo o hall do Salão Verde da Câmara dos Deputados.

Ao todo, 14 obras de arte do Palácio do Congresso foram danificadas ou destruídas durante os atos antidemocráticos. A restauração delas deverá custar cerca de R$ 1 milhão, segundo estimativa dos servidores do Museu do Senado.

Somente os frascos da tinta usada para restaurar o Painel Vermelho de Athos Bulcão custam R$ 800, por exemplo. E serão necessários pelo menos três frascos da tinta especial vermelha. A obra de 430 cm de altura por 1.320 cm de largura foi atingida por estilhaços de vidro.

Trabalhadores reparam Muro Escultórico de Athos Bulcão no prédio da Câmara
O Muro Escultórico de madeira laqueada precisou ser totalmente desmontado e retirado do Salão Nobre.Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Já o Muro Escultórico de madeira laqueada de Athos Bulcão, uma divisória de 250 cm de altura por 1.035 cm de largura, precisou ser totalmente desmontado e retirado do Salão Nobre. As peças que formam a obra foram amassadas e molhadas pelos vândalos. Não foi informado o valor estimado para a restauração do muro.

"É uma obra de encaixe. Uma parte foi danificada na parte inferior. Além disso, tudo no Salão Verde ficou inundado, e precisamos retirar desse espaço, esperar secar totalmente a área de carpete e, depois de termos certeza que está tudo seco, vamos poder voltar com essa peça", explicou a chefe de restauração da Câmara, Gilsy Rodrigues, em entrevista à Agência Câmara.

Considerando todo o estrago causado pelos invasores – vidraças, janelas, móveis, carpetes, entre outros –, a recuperação do Congresso Nacional deverá custar cerca de R$ 4 milhões, segundo a diretoria-geral do Senado.

O artista-capital

Em julho deste ano, comemora-se o aniversário de 115 anos de nascimento de Bulcão.

Carioca de nascimento, o artista se mudou para Brasília em 1958, um ano após ser convidado por Oscar Niemeyer para integrar a Companhia Urbanizadora da Nova Capital. Ali viveu por mais de 60 anos até sua morte, em 2008.

Athos Bulcão em frente a prédios ministeriais em Brasília
Artista carioca se mudou para Brasília após ser convidado por Niemeyer para ajudar a projetar a nova capitalFoto: Luis Humberto/Fundação Athos Bulcão

De painéis gigantes de azulejos a murais e pinturas, as obras de Athos Bulcão não estão apenas no Congresso Nacional, mas também em quase todos os prédios públicos de Brasília. Entre eles a Igreja Nossa Senhora de Fátima, a "Igrejinha"; o Teatro Nacional; o campus da Universidade de Brasília; o Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Kubitschek; o prédio da famosa Torre de TV; e até em creches, escolas e hospitais da capital, totalizando um conjunto de 261 obras.

Não à toa, Bulcão ficou conhecido como "artista-capital" e "artista de Brasília".

Além da função decorativa, os painéis e murais do artista se integram à arquitetura da cidade, servindo de paredes, divisórias e caminhos.

"As obras de Bulcão estão tão intimamente ligadas ao cotidiano da cidade que parecem despercebidas aos olhos de todos", diz a professora de História da Arte do programa de mestrado profissional do Iphan, Adriana Nakamuta.

A professora explica que as obras de Bulcão em Brasília cumprem a função social de inserir no cotidiano das cidades obras plásticas acessíveis – elas não estão mais fechadas em museus – com ampla visibilidade por quem transita pelo espaço urbano.

"Não há dúvidas de que suas obras integram-se com tanta harmonia na paisagem da cidade construída que qualquer ausência ou destruição seria percebida rapidamente", afirma Nakamuta.

A integração entre arte e arquitetura promovida por Niemeyer e Bulcão fez a Unesco declarar Brasília como Patrimônio Mundial em 1987.

Linguagem moderna e abstrata

O primeiro trabalho de Bulcão realizado em Brasília foi o painel de azulejos das paredes externas da "Igrejinha", construída por Oscar Niemeyer em 1957 na Asa Sul do Plano Piloto.

Com representação da pomba da paz e do sino de Belém, esse é o único painel de Bulcão com desenhos convencionais. Em todos os outros, os painéis formam inusitadas composições geométricas que não seguiam um padrão.

Detalhes da parede de azulejos da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima em Brasília
Painel da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima foi o primeiro trabalho de Bulcão em BrasíliaFoto: Ricardo Padue/Fundação Athos Bulcão

"Bulcão implementou na escala de cidade a utilização de elementos oriundos da arte colonial, como os azulejos, mas criando uma linguagem moderna e abstrata, capaz de ser reproduzida em grandes espaços", explica Nakamuta.

Ao projetar um painel, por exemplo, Bulcão criava os desenhos dos azulejos e, na hora de colocá-los na parede, orientava os operários a não formarem um desenho lógico e sequencial: os azulejos deveriam ser dispostos livremente na posição que eles quisessem.

"O resultado final, até certo ponto, escapa ao meu controle", dissera Athos Bulcão, de acordo com o livro Colorindo Brasília (edição 2020), do Iphan.