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Lula, refém de um sistema político disfuncional

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
27 de julho de 2023

O petista prometeu que faria o Brasil feliz de novo, mas está fazendo primeiro a felicidade do Centrão. Assim ele coloca dentro de sua casa os futuros incendiários. E os escândalos de corrupção são previsíveis.

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Luiz Inácio Lula da Silva
Lula se faz refém de seus antigos adversários. Aqueles mesmos que derrubaram Dilma, que apoiaram Bolsonaro e que demonizam a esquerdaFoto: Frederico Brasil/TheNews2/IMAGO Images

O bazar está aberto em Brasília. Luiz Inácio Lula da Silva já é presidente há sete meses, e se enganou quem esperava que, depois dos quatro anos de pesadelo sob Jair Bolsonaro, Lula iria acabar com a mecânica que domina a máquina política brasileira.

Para organizar uma maioria estável e confiável no Congresso, Lula flerta com os partidos Republicanos e PP, ambos de direita e que ainda no ano passado apoiavam o extremista Jair Bolsonaro.

O PP foi criado por apoiadores e egressos da ditadura militar. O Republicanos é o braço político da seita ultraconservadora e máquina de fazer dinheiro Igreja Universal do Reino de Deus.

Eu me lembro muito bem de ver o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao lado de Bolsonaro no palco do Maracanãzinho, na campanha eleitoral de 2022, sendo festejado pelo clã Bolsonaro e seus fanáticos apoiadores.

Tudo isso: esquecido por ambos os lados. Lula quer uma maioria estável e sossego, e o Centrão quer poder, quer dizer, cargos, privilégios e acesso ao dinheiro dos contribuintes. Que haverá escândalos de corrupção é previsível.

Para onde vai o dinheiro e o poder

Lula segue, assim, o mesmo caminho dos seus dois primeiros mandatos. Ele coloca dentro da sua casa os futuros incendiários. Aqueles mesmos que derrubaram Dilma Rousseff, que apoiaram Jair Bolsonaro e que demonizam a esquerda.

Ficam evidentes as prioridades de Lula. As indicações de ministros como Silvio Almeida (Direitos Humanos), Aniele Franco (Igualdade Racial) ou Sônia Guajajara (Povos Indígenas), euforicamente recebidas pelos movimentos sociais, serviram justamente para isso: aquietar os movimentos sociais, que ficam presos dentro da sua bolha de política identitária.

Já o dinheiro, e com ele o poder, vai para lugares bem diferentes. Na liberação de emendas parlamentares, o governo claramente privilegiou órgãos públicos controlados pelo Centrão. Setores como educação, cultura e meio ambiente ficaram bem no fim da lista.

Apenas quatro das instituições federais controladas pelo Centrão receberam este ano R$ 611 milhões: Codevasf, o Dnit, o Dnocs e a Sudeco. O montante da Codevasf é maior do que as verbas previstas para todas as universidades federais juntas. Mais não é preciso dizer sobre a "prioridade" dada à educação, o principal instrumento para mudar o Brasil para melhor.

Lula, que prometeu tornar o Brasil feliz de novo, está primeiro fazendo o Centrão feliz de novo. Aquele mesmo que, até pouco tempo atrás, o combatia.

Sistema político disfuncional

E nem dá para culpar Lula por isso. O sistema político disfuncional do Brasil o obriga a entrar em alianças repugnantes e a colocar laranjas podres no seu ministério, como Juscelino Filho (União Brasil). O ministro das Comunicações está envolvido em várias suspeitas de corrupção no uso de recursos públicos.

Para não pôr em risco a governabilidade, Lula ainda não deu um basta na situação. Do ponto de vista ético não há como justificar o comportamento de Juscelino Filho, mas o ministro da Justiça, Flávio Dino, recentemente esclareceu a nação sobre uma nova categoria ética: a ética do resultado.

Em outras palavras: os fins justificam os meios, e a distribuição de cargos já começou. No bazar do governo não se trata de ter conhecimento da área, mas de distribuir cargos e garantir uma renda gorda a certas damas e certos cavalheiros.

A classe política brasileira é extremamente ineficiente quando se trata de modernizar o país. A inexistência de barreiras permite a um número absurdo de partidos participar, de alguma forma, do poder.

Esses partidos não têm nem programa nem ideologia, são basicamente joguetes de dinastias políticas, majoritariamente dominadas por homens brancos ricos que não veem a política como um serviço à nação, mas como um serviço ao próprio clã.

Que esses senhores sejam repetidamente eleitos é consequência da situação quase feudal que predomina em grandes partes do Brasil.

Poucos dias atrás, Lula repetiu sua promessa de campanha de que haverá "picanha barata" para todos. Tenho certeza de que os brasileiros prefeririam uma educação boa e barata.

Que isso se torne realidade num futuro próximo é ainda mais improvável com o Centrão dominando o governo. Lula se faz refém de seus antigos adversários. Dá para apostar quanto tempo isso ainda vai andar bem.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.