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Lula busca evangélicos em comício com ares de culto no Rio

Bruno Lupion São Gonçalo
10 de setembro de 2022

Candidato do PT, que perde por larga vantagem para Bolsonaro nesse segmento segundo pesquisas, acusa o presidente de ser contrário a valores cristãos e afirma que sua campanha defende a família e a liberdade religiosa.

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Lula acena enquanto fala em palco
Lula descreveu a sua história de vida, iniciada em uma família pobre nordestina, como um sinal da existência de DeusFoto: Pilar Olivares/REUTERS

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou nesta sexta-feira (09/09) em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o primeiro evento de sua campanha ao Palácio do Planalto destinado especificamente ao público evangélico, no qual o petista está muito atrás do presidente Jair Bolsonaro segundo as pesquisas.

O ato no segundo maior colégio eleitoral do Rio de Janeiro foi uma tentativa da campanha do petista de abrir mais canais com esse setor do eleitorado, que representa cerca de um quarto da população. Segundo pesquisa Datafolha realizada em 8 e 9 de setembro, Bolsonaro tem 51% das intenções de voto entre os evangélicos, enquanto Lula tem 28% – uma diferença de 23 pontos, cinco a mais do que o levantamento anterior, em 16 a 18 de agosto.

A redução dessa desvantagem é uma tarefa difícil para a campanha do petista. No segundo turno de 2018, Bolsonaro teve 70% dos votos entre os evangélicos, e o presidente vem apostando pesado para manter sua preferência nesse setor com uma retórica moralista.

A estratégia de Lula envolve tentar colar em Bolsonaro a imagem de que ele seria contrário aos valores cristãos por, segundo o petista, defender o ódio e a violência, convencer os eleitores de que a campanha petista defende a família e afirmar que seu governo anterior assegurou o exercício da liberdade religiosa.

Na saída do evento, foi entregue um panfleto produzido pela campanha de Lula destinado ao público evangélico, com tiragem anunciada de um milhão de exemplares, que será distribuído em todo o Brasil. O texto resume algumas das propostas da campanha de Lula acompanhadas de versículos da Bíblia.

Ao falar da garantia da educação de qualidade, por exemplo, é citado o versículo 22:6 dos Provérbios: "Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para ela, e mesmo com o passar dos anos não se desviará deles". A defesa de mais investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) é acompanhada do versículo 9:12 de Mateus: "Jesus disse: Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes."

Os discursos dos candidatos

Além de Lula, estavam presentes no ato – que teve ares de culto religioso, com rezas e fartas referências à Bíblia – seu candidato a vice, Geraldo Alckmin, o candidato do PSB ao governo do Rio, Marcelo Freixo, e o candidato do PT ao Senado, André Ceciliano. Todos modularam seus discursos para construir pontes com o eleitorado evangélico.

Freixo, por exemplo, lembrou que no início de sua carreira como professor decidiu dar aulas para presos e percebeu como as lideranças evangélicas eram importantes para "fazer o bem" dentro das cadeias. Ele também enalteceu o impacto positivo que as igrejas evangélicas podem ter na vida das pessoas que as frequentam. "São vocês que eu vi chegarem nas famílias, dando voz às mulheres – que, quando começam a frequentar a igreja, muitas vezes pela primeira vez na vida começam a falar e ser ouvidas – as crianças começam a melhorar na escola, o homem para de beber e para de bater na mulher, e a relação familiar melhora. Isso eu vi em muitos lugares", afirmou.

Lula (de costas, vestindo terno cinza) e pastores com os braços erguidos
Lula (de costas, vestindo terno cinza) recebe benção de pastores em ato em São GonçaloFoto: Andre Borges/AFP

Ceciliano disse que seu número na urna, o 133, não foi escolhido "em vão", mas seria uma referência ao Salmo 133, que valoriza a vida em paz e união. E Alckmin iniciou seu discurso citando as realizações de Martin Luther King, "um pastor evangélico que ajudou a mudar o mundo, (...) que com sua fé inabalável removeu o ódio, o racismo, a discriminação que havia nos Estados Unidos. Nós de novo estamos aqui para combater o ódio". Alckmin também disse que os governos anteriores de Lula colocaram em pauta "os valores cristãos: amor, trabalho, crescimento inclusivo".

Ao assumir a palavra, Lula também fez referências religiosas e descreveu a sua história de vida, iniciada em uma família pobre nordestina, como um sinal da existência de Deus. "Se não fosse a mão de Deus em cima de mim, eu não teria chegado aonde eu cheguei", disse. "Onde eu nasci, do jeito que eu vivi, sem as possibilidade que uma mãe sonha para o filho, e chegar à Presidência da República, é porque tem algo superior guiando o teu caminho."

No final do evento, Lula e outros oradores reuniram-se em uma roda e acompanharam uma oração conduzida por uma pastora, que pediu a Deus que abençoasse o petista, enquanto parte do público erguia suas mãos em direção ao palco.

A estratégia narrativa

Um dos eixos das falas de pastores e políticos presentes no ato foi vincular Bolsonaro a um discurso e a uma prática de ódio e violência, citando suas falas que pregaram o fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e da "petralhada" e medidas de seu governo que ampliaram o acesso a armas de fogo.

A campanha petista vê a questão das armas como um dos flancos para tentar conquistar mais votos entre os evangélicos. Uma pesquisa Datafolha realizada em maio apontou que sete em cada dez brasileiros discordam da ideia de que armas trazem mais segurança para a população.

Alckmin fez referência ao tema em seu discurso: "Jesus disse amai-vos uns aos outros, ele nunca disse armai-vos uns aos outros", afirmou, citando o aumento do número de armas de fogo em circulação e que metade dos feminicídios ocorre por arma. Um site criado para conectar evangélicos que apoiam Lula também coloca como mote principal a oposição a quem "usa do evangelho para querer armar o Brasil".

O segundo eixo é fazer referências à importância da família para a chapa de Lula. O petista dedicou boa parte de sua fala à história de sua própria família e de como ele vê em sua mãe referência de tenacidade para criar os oito filhos sem apoio do pai das crianças. "Eu tinha o exemplo na minha vida da minha mãe. Se a família estiver em harmonia, tudo o mais ficará bem dentro de casa", disse.

O panfleto da campanha petista destinado aos evangélicos também afirma que a chapa de Lula e Alckmin quer a "defesa da família" – tema recorrente na campanha bolsonarista, que no caso da extrema direita costuma significar apenas a família composta por um homem e uma mulher. O documento diz que um eventual terceiro governo Lula adotará políticas públicas para cuidar das crianças e adolescentes e valorizar a convivência familiar e comunitária, além do "respeito aos mais velhos, o direito ao brincar, o acesso à moradia e a possibilidade de viver em segurança".

O terceiro eixo é mencionar iniciativas tomadas quando Lula era presidente para garantir a liberdade religiosa – um antídoto contra a divulgação, pela campanha bolsonarista, da ameaça de que o petista fechará igrejas se for eleito.

"Nunca houve na história do Brasil um presidente que tratasse a religião e as igrejas com a democracia com que eu cuidei. Duvido que alguém tenha [tido o] cuidado de garantir a liberdade de criar igreja, a liberdade de praticar a sua fé. E por que fiz isso? Porque aprendi que o Estado não deve ter religião, não deve ter igreja, o estado tem que garantir o funcionamento e a liberdade de quantas igrejas as pessoas quiserem criar. É assim que nós fizemos a lei para regulamentar a Constituição em 2003", referindo-se à lei que permitiu que igrejas tivessem personalidade jurídica.

Enquanto os pastores e políticos falavam, um painel eletrônico ao fundo exibia uma mensagem em defesa da liberdade religiosa: "O Brasil é um país de muitas crenças, onde a liberdade é um direito sagrado e o respeito às religiões não é apenas um dever, mas uma garantia protegida pela nossa Constituição. O Brasil que sonhamos é o país do amor e da tolerância. Fé não combina com ódio."

"Dizer que é evangélico todo mundo diz, difícil é praticar"

Leomar Ferreira dos Santos, 63 anos, pastor da Assembleia de Deus em Vila Lage, em São Gonçalo, afirmou ter ido ao ato com Lula pois o país precisa de "uma mudança". Ele afirma que o governo Bolsonaro foi "desumano", citando a demora para a compra de vacinas contra a covid-19. "Morreram pessoas porque o nosso presidente não teve a responsabilidade, como ser humano, para comprar vacina", disse.

Questionado sobre por que Bolsonaro leva tanta vantagem sobre Lula no segmento evangélico, ele colocou em dúvida a coerência com os preceitos bíblicos dos evangélicos que apoiam o presidente.

Leomar Ferreira dos Santos com camiseta com os dizeres Jesus libertador
O pastor Leomar Ferreira dos Santos disse que ato foi útil para rebater "fake news de algumas pessoas dizendo que o Lula não respeita o evangélico, que quer acabar com as igrejas"Foto: Bruno Lupion/DW

"Dizer que é evangélico todo mundo diz, difícil é praticar. Para dizer que é evangélico tem que ter amor no coração. Primeiramente, tem que amar o ser humano, para depois amar a Deus. Se ele não demonstra amor com seu próximo, como que ele vai demonstrar amor a Deus, que ele nunca viu em pessoa?", questionou.

Santos afirmou que o ato da campanha petista em São Gonçalo era importante para "desfazer um equívoco que está havendo, fake news de algumas pessoas dizendo que o Lula não respeita o evangélico, que quer acabar com as igrejas". Segundo ele, o petista foi o presidente que deu mais "crédito" às igrejas. "Se as igrejas estão hoje liberadas para pregar o evangelho, livre de impostos, devemos agradecer ao Lula", afirmou.

"Atentado [à faca] fez Bolsonaro buscar Deus"

A desempregada Luciana de Oliveira, 45 anos, fiel da igreja da Assembleia de Deus de Porto da Pedra, em São Gonçalo, considera Bolsonaro um "péssimo" presidente, que não governa para o povo, mas para a "elite rica".

Ela disse que o governo do presidente impactou negativamente a sua vida e a de sua família, com perda de emprego e de renda. "Tudo ficou defasado, a gente antes comprava carne e hoje a gente não compra, o custo de vida aumentou, a inflação aumentou", diz.

Luciana Oliveira
Luciana de Oliveira questionou pesquisas que indicam que a maioria dos evangélicos prefere Bolsonaro a LulaFoto: Bruno Lupion/DW

Indagada sobre por que a maioria dos evangélicos apoia Bolsonaro, como indicam as pesquisas, ela contestou o dado. "Não é a maioria, são alguns, por influência de alguns pastores, da sua bancada política", disse. Ela avalia ainda que a facada sofrida por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 contribuiu para a sua aproximação do eleitorado evangélico. "Ele se evangelizou. Ficou fragilizado e buscou Deus", disse.

Oliveira comparou o ginásio esportivo em São Gonçalo onde o ato era realizado a uma "igreja", e disse que estava feliz porque "a igreja está cheia". Caso Lula vença as eleições, ela espera que ele priorize o crescimento econômico e "abra os estaleiros" – ela trabalhava nesse setor, como soldadora, quando perdeu o emprego.