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Em pronunciamento, Bolsonaro evita abordar derrota

1 de novembro de 2022

Presidente não menciona vitória de Lula e condena bloqueios, mas deixa brecha para novas manifestações. Por outro lado, em sinal de isolamento, evita falar em "fraude" e autoriza ministro a negociar transição.

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Jair Bolsonaro
Bolsonaro fez curto pronunciamento no Palácio do PlanaltoFoto: Evaristo Sa/AFP

Após evitar se manifestar sobre sua derrota no segundo turno por quase 48 horas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) finalmente fez um curto pronunciamento nesta terça-feira (01/11), mas não reconheceu a vitória do seu rival Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e continuou a fazer acenos para sua base radical.

Por outro lado, num sinal de falta de força para uma eventual contestação do resultado, ele deixou que seu ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), uma figura influente do Centrão, falasse na sequência sobre transição de governo.

Em uma fala de pouco mais de dois minutos repleta de ambiguidades, Bolsonaro não reclamar diretamente das urnas eletrônicas – em contraste com declarações anteriores –, mas mencionou vagamente "injustiças" no processo eleitoral. Ele também desautorizou os métodos nos bloqueios que foram montados por apoiadores em rodovias, mas disse que "manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas", deixando uma brecha para novos protestos.

"Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir", disse, no Palácio da Alvorada, ao lado de alguns aliados de pouco peso político.

Legalmente, Bolsonaro não é obrigado a divulgar uma mensagem parabenizando Lula ou abordando sua derrota, mas a falta de posicionamento direto do presidente sobre o desfecho do pleito contrasta com candidatos derrotados no passado. O silêncio de Bolsonaro nos últimos dois dias também foi encarado como um sinal verde por apoiadores que montaram bloqueios em rodovias.

No pronunciamento, ele ainda disse que sempre jogou "nas quatro linhas da Constituição" – uma expressão que o presidente usou repetidas vezes nos últimos anos – e que "enquanto presidente da República e cidadão" continuará "cumprindo todos os mandamentos" da Constituição.

No entanto, bolsonaristas já deram inúmeros exemplos sobre um entendimento bastante particular sobre a Constituição. O próprio presidente já usou a expressão sobre "jogar nas quatro linhas" para justificar ofensivas antidemocráticas contra o Judiciário e o Congresso nos últimos quatro anos.

Bolsonaro ainda agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu no último domingo. Mencionando a eleição de membros da ultradireita para o Congresso no primeiro turno, ele afirmou ainda que uma "direita de verdade" surgiu no país.

"Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus pátria, família e liberdade. Formamos diversas lideranças pelo Brasil. Nossos sonhos seguem mais vivos do que nunca. Somos pela Ordem e pelo Progresso", disse.

Apesar do discurso ambíguo que deixou brecha para novas manifestações, Bolsonaro autorizou que o ministro Ciro Nogueira falasse sobre transição. Logo após o pronunciamento do presidente, Nogueira tomou a palavra e disse que havia sido "autorizado" por Bolsonaro para tratar sobre o início do processo de transição entre o atual governo e a campanha de Lula.

“O presidente Jair Messias Bolsonaro me autorizou, quando for provocado, com base na lei, nós iniciaremos o processo de transição”, disse o ministro. "A presidente do PT, segundo ela em nome do presidente Lula, disse que na quinta-feira será formalizado o nome do vice-presidente Geraldo Alckmin [como coordenador]. Aguardamos que isso seja formalizado para cumprir a lei do nosso país”, completou.

Apesar de ter feito um uso político sem precedentes da máquina pública e até mesmo recorrido a táticas ilegais para dificultar a circulação de eleitores em redutos de Lula, Bolsonaro acabou sendo derrotado no último domingo por uma frente ampla que se organizou em torno do seu rival. Com 100% das urnas apuradas, Lula conquistou 50,90% dos votos, contra 49,10% do atual presidente de extrema direita.

Com a derrota, Bolsonaro se tornou o primeiro presidente no poder a perder a reeleição desde que o mecanismo começou a ser aplicado em 1998.

Havia expectativa sobre qual seria o tom adotado por Bolsonaro quando ele finalmente se pronunciasse sobre o resultado nas urnas.

Falta de declarações por 48 horas estimularam atos antidemocráticos

Até o pronunciamento desta terça-feira, Bolsonaro havia completado 44 horas sem emitir qualquer manifestação pública sobre sua derrota nas urnas e a vitória do seu adversário Lula.

Esse "silêncio" do político de extrema direita acabou servindo como deixa para que apoiadores extremistas do presidente promovessem atos de rebelião para tentar reverter o resultado da votação.

Poucas horas após o anúncio do resultado, ainda no domingo, bolsonaristas começaram a montar bloqueios em várias rodovias do país. Nesta terça-feira, o país havia amanhecido com cerca de 400 pontos de obstrução.

Nas redes bolsonaristas da internet, apoiadores extremistas do presidente interpretaram a atitude inicial por parte do presidente como parte de uma estratégia ampla de ganhar tempo e assim criar condições para uma reversão da derrota.

Em áudios distribuídos em canais bolsonaristas, apoiadores também falaram que o movimento precisava "resistir" por 72 horas. Nessas mensagens, os apoiadores também interpretaram que esse era o tempo que Bolsonaro precisava para se posicionar e ter o poder de lançar uma "intervenção" das Forças Armadas.

Segundo eles, Bolsonaro não poderia fazer o pedido diretamente por causa do risco de cometer "crime" e que cabia "ao povo" dar o primeiro passo. Mensagens que circulavam antes do pleito em canais bolsonaristas indicam que o movimento já vinha sendo articulado há mais de duas semanas.

Mesmo as falas de ambíguas de Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento após a derrota foram vistas com um incentivo. Depois da fala, participantes de vários canais de extrema direita passaram a destacar o trecho das "manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas".

Anuência da PRF

Em vários casos, os bloqueios nas estradas na segunda e terça contavam com apenas algumas dezenas de bolsonaristas, sem uma liderança clara. Associações de caminhoneiros repudiaram os atos. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) acusou nesta terça-feira grupos bolsonaristas armados de intimidarem membros da categoria a aderir aos protestos antidemocráticos.

O movimento também ganhou amplitude especialmente na segunda-feira por causa da inação da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que responde diretamente ao Ministério da Justiça, sugerindo que o governo no mínimo agiu com anuência em relação aos bloqueios.

A PRF evitou inicialmente agir contra os bloqueios, chegando a acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) para pedir autorização sobre como proceder, mesmo sem a necessidade de tal ferramenta. O mesmo entendimento foi divulgado por membros do Ministério Público Federal, que cobraram providências imediatas da PRF contra os bloqueios. Nesta terça-feira, um grupo de subprocuradores pediu para que o MPF do Distrito Federal investigue a cúpula da PF.

Rodovias foram bloqueadas por apoiadores de Bolsonaro
Rodovias foram bloqueadas por apoiadores de BolsonaroFoto: Diego Vara/REUTERS

Vídeos nas redes sociais mostraram alguns agentes apoiando ativamente os manifestantes. Em Guarulhos, agentes foram filmados ajudando manifestantes a derrubarem uma cerca no aeroporto internacional que atende São Paulo. Outro vídeo registrado em Santa Catarina mostrou um agente afirmando a participantes de um bloqueio que ele não pretendia aplicar multas.

Nesta terça-feira, a Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), que reúne servidores da corporação, divulgou uma nota crítica cobrando uma "postura firme" da cúpula da PRF e criticando o silêncio do presidente

"A postura do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em manter o silêncio e não reconhecer o resultado das urnas acaba dificultando a pacificação do país, estimulando uma parte de seus seguidores a adotarem ações de bloqueios nas estradas brasileiras", afirmou a entidade. "Nesse sentido, o sistema sindical dos PRFs segue cobrando uma postura firme da direção do DPRF, para prover os meios necessários para que a corporação cumpra suas funções constitucionais."

No domingo da eleição, a PRF já havia sido instrumentalizada pelo governo para dificultar a circulação de eleitores nas estradas de redutos eleitorais de Lula no Nordeste. A tática, no entanto, não surtiu efeito e o petista teve uma votação avassaladora na região. A corporação é chefiada desde 2021 por Silvinei Vasques, que chegou ao cargo de diretor-geral por indicação do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente.

A corporação só começou a atuar contra bloqueios no final da tarde de segunda-feira após uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que a PRF agisse. O ministro responsável pela ordem, Alexandre de Moraes, também estabeleceu que as PMs estaduais também podem agir para desbloquear as rodovias federais. Nesta terça-feira, governos de pelo menos cinco estados começaram a deslocar policiais militares para agir contra os bloqueios.  

Aliados de Bolsonaro evitaram endossar contestação das urnas

Até a declaração de Bolsonaro nesta terça-feira, o único membro do clã presidencial que havia se manifestado sobre a derrota nas quase 48 horas após o anúncio do resultado havia sido o senador Flávio Bolsonaro. No entanto, sua mensagem foi ambígua e não chegou a ser um reconhecimento da vitória de Lula.

"Obrigado a cada um que nos ajudou a resgatar o patriotismo, que orou, rezou, foi para as ruas, deu seu suor pelo país que está dando certo e deu a Bolsonaro a maior votação de sua vida! Vamos erguer a cabeça e não vamos desistir do nosso Brasil! Deus no comando!", escreveu Flávio no Twitter.

Foi uma linha diferente da adotada por várias figuras do bolsonarismo. Apesar do barulho dos bloqueios nas estradas, Jair Bolsonaro não encontrou clima entre aliados para tentar contestar as eleições. Ainda na noite de domingo, aliados do Centrão e até mesmo alguns radicais de direita que conquistaram mandatos nas urnas com apoio de Bolsonaro admitiram que o presidente foi derrotado.

Na segunda-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão entrou em contato com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), afirmando que está à disposição para ajudar na transição de governo.

Já o PT informou que a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, conversou na segunda-feira com o ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, Ciro Nogueira, para iniciar as tratativas da transição de governo. Segundo o PT, o diálogo foi cordial e Nogueira se colocou à disposição.

Um dos principais aliados de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), foi a primeira grande liderança política a se manifestar após a oficialização da vitória de Lula, ainda no domingo.

Em pronunciamento, Lira parabenizou o presidente eleito afirmou que "a vontade da maioria manifestada nas urnas jamais deverá ser contestada".

"Ao mesmo tempo em que aceitamos a vitória, não podemos aceitar revanchismos. A Câmara dos Deputados estará sempre cumprindo o seu papel crucial de casa do povo brasileiro", completou o presidente da Câmara. Nas últimas semanas, Lira chegou a abraçar algumas pautas do bolsonarismo, como uma ofensiva contra institutos de pesquisa, mas evitou endossar as manifestações mais explícitas do ocupante do Planalto contra o sistema eleitoral.

O procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, indicado por Bolsonaro e que sistematicamente blindou o presidente de investigações desde 2019, adotou um tom semelhante ao de Arthur Lira. Em nota divulgada no site da PGR, Aras parabenizou Lula pela vitória.

O governador eleito de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), um apadrinhado de Bolsonaro que conquistou a única vitória significativa para a extrema direita no domingo ao derrotar Fernando Haddad (PT) na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, também evitou falar em contestação de resultados e indicou como pretende lidar com um governo Lula.

Tarcísio disse que pretende ter uma "relação republicana" com o presidente eleito e que deseja ter o "melhor diálogo possível" com o governo liderado pelo PT a partir de 2023. "Vai ser uma relação republicana [com Lula]. Nós queremos fazer a diferença pelo estado de São Paulo. Então nós vamos zelar pelos interesses de São Paulo, pelos interesses do cidadão de São Paulo", afirmou Tarcísio.

"A partir do momento em que houver convocação para uma conversa [com Lula], nós estaremos lá, e vamos sempre buscar o melhor para o estado de São Paulo", completou o governador eleito, que teve Bolsonaro como principal cabo eleitoral na campanha.

A ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), uma das principais figuras da ultradireita evangélica associada ao bolsonarismo, usou as redes sociais para reconhecer a derrota do presidente. Ela disse que Bolsonaro deixa "um legado e formou líderes que hoje são senadores, deputados e governadores".

"Perdemos uma eleição, mas não perdemos o amor pelo nosso país. Bolsonaro deixará a Presidência da República em janeiro de cabeça erguida, com a certeza de dever cumprido e amado por milhões de brasileiros", escreveu Damares.

A mesma linha foi adotada pela ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e senadora eleita Tereza Cristina. No Twitter, ela afirmou que, em uma democracia, prevalece a escolha da maioria. "Numa democracia, nem sempre a nossa escolha prevalece nas urnas. O resultado das eleições de hoje nos ensina a perseverar e a respeitar as diferenças", disse.