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Com "sim" ou "não" a nova Constituição, Boric terá desafios

Diego Zúñiga | José Urrejola
2 de setembro de 2022

Seja qual for o resultado do plebiscito no Chile, governo terá caminho difícil pela frente. Se vencer o "não", favorito nas pesquisas, presidente terá que reagrupar sua base e verá minguar clima de transformação.

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Gabriel Boric
Gabriel Boric assumiu a Presidência chilena sob expectativas de mudançaFoto: Chepa Beltran/LongVisual/Zuma/picture alliance

Todas as atenções dos chilenos estão voltadas para este domingo (04/09), data em que a população votará pela aprovação ou rejeição de uma nova Constituição do país. Se referendado, o texto substituirá a Constituição de 1980, herança do ditador Augusto Pinochet (1973-1990), que privatizou áreas essenciais como saúde, educação e previdência social.

Mas o que acontece no dia seguinte? Por motivos distintos, tão importante quanto o 4 de setembro é o que se sucederá a ele, alertam especialistas e lideranças políticas.

Se a maioria votar pela rejeição do texto, será um sinal de que um outro processo constituinte terá que ser feito – compromisso assumido tanto por setores da esquerda quanto da direita, independente do resultado. Já se o texto for aclamado por maioria, regras transitórias terão que ser aplicadas até a entrada em vigor da nova Carta.

Isso implica fazer negociações políticas e reformas em um Congresso do qual o presidente Gabriel Boric depende para concretizar suas promessas de campanha.

Não se sabe se o Executivo terá tempo suficiente para avançar com seus projetos, nem se manterá sua base de apoio depois do plebiscito, ou como esse episódio afetará a imagem de Boric, que em caso de derrota terá que reagrupar suas forças.

Até agora, pesquisas de opinião têm indicado tendência de rejeição ao novo texto, embora a parcela de indecisos, em média 15%, possa mudar esse quadro.

A votação de domingo dará continuidade a um processo iniciado em outubro de 2020, anterior à eleição de Boric, quando quase 80% da população chilena votaram a favor de uma nova Constituição.

Chilenos decidem pelo fim de Constituição da era Pinochet

Em caso de aprovação, processo mais viável

Jorge Saavedra, comunicólogo e professor da Universidade Diego Portales, acredita que, com a aprovação do texto constitucional, os partidos de esquerda e centro-esquerda sairiam vitoriosos e poderiam se unir em acordos que viabilizariam avanços não só "no processo de instalação da nova Constituição, mas também nos próximos anos de governo".

Avaliação semelhante é feita por Mario Álvarez, comunicólogo e professor da Universidade de la Frontera. Como Saavedra, ele também prevê um caminho mais fácil para Boric caso a nova Constituição seja endossada pela maioria dos chilenos, já que isso significaria governar com o apoio de grupos mais à esquerda.

"Sempre se falou que a antiga Concertación tinha duas alas, uma mais à esquerda e outra mais alinhada ao neoliberalismo", afirma Álvarez em referência à coalizão de partidos de esquerda, centro-esquerda e centro no Chile pós-Pinochet que governou o país por 20 anos (1990-2010). Muitos da ala neoliberal defendem hoje a rejeição à nova Constituição.

Em caso de rejeição, um governo abalado

Saavedra lembra que Boric ainda tem três anos e meio de governo pela frente. Caso a nova Constituição seka rejeitada, diz, o presidente sofrerá pressão "para que o novo processo [constituinte] seja capitaneado por comitês de especialistas, parlamentares e uma elite que impeça grandes mudanças”.

"Primeiro: seus adversários ganhariam legitimidade para frear o clima de transformação no governo. Segundo: sua base de apoio seria corroída pelas críticas. Terceiro: a própria administração ficaria comprometida. Se a questão constitucional não for resolvida, o plano de governo não poderá ser desenvolvido da mesma forma", explica Saavedra.

Para Álvarez, é pouco provável que o governo consiga levar o seu programa adiante, porque será confrontado com dois imprevistos: a inflação e a criminalidade. "Será muito difícil avançar com uma agenda transformadora enquanto esses problemas não forem resolvidos", afirma.

Os dois estudiosos chamam a atenção ainda para o problema do uso de notícias falsas na campanha para o plebiscito. "Se você analisar as mentiras apresentadas pela campanha pelo ‘não', todas exploram questões neoliberais, individuais, como o medo de perder a hereditariedade dos fundos de pensão ou a propriedade da casa própria. A vitória da rejeição significaria que, para uma grande parte da população, essas questões continuam sendo fundamentais – e, desse ponto de vista, o programa de governo [de Boric] será sempre deficiente", observa Álvarez.

 

Os temas em jogo

Observadores internacionais destacam avanços da nova Constituição nas áreas ambiental, de gênero e de direitos sociais.

Para Rubén Martínez Dalmau, professor de Direito Constitucional da Universidade de Valencia, a proposta está no mesmo patamar de outros países europeus porque "consolida um Estado social".

Além de estabelecer garantias para mulheres, crianças e adolescentes, indígenas, pessoas com deficiência e divergentes da cis-heteronormatividade, fixa o acesso à saúde, educação, moradia, alimentação e acesso à água – hoje tratada como propriedade privada – como direitos básicos.

Já os pontos mais polêmicos são a mudança no ordenamento político do país, a substituição do Senado por uma câmara regional e, principalmente, a plurinacionalidade – expressa em autonomia política para indígenas – e a criação de um sistema de Justiça para esses povos.

Stefan Rinke, professor de história latino-americana na Universidade Livre de Berlim, tem dúvidas sobre a criação da Justiça indígena. "Não faz sentido colocá-los fora do sistema legal e estabelecer um especial para eles. Não acho que vá funcionar", diz.

Jurista da Universidade de Oxford, Gautam Bhatia discorda: "A ideia de que grupos indígenas podem ter seu próprio sistema de Justiça em certas áreas definidas não é algo novo; é algo que muitas outras Constituições têm e que não criou grandes problemas. Não é algo radical."

Dalmau concorda com Bhatia. Ele argumenta que o sistema de Justiça indígena é "um dos avanços constitucionais mais importantes do mundo" e que "o que está sendo proposto agora é algo que existe em países avançados como os EUA, Canadá e Nova Zelândia".

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Com informações da AFP.