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ConflitosIêmen

Ataques ao Iêmen são "oportunidade de ouro" para os houthis

16 de janeiro de 2024

Rebeldes têm muito a ganhar com o confronto no Mar Vermelho, segundo analistas. Eles buscam ser reconhecidos como governo nacional, e ataques dos EUA os ajudam a ampliar sua legitimidade interna e externa.

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Rebeldes houthis com armas de grande calibre
Houthis dizem que ataques no Mar Vermelho são em apoio à causa palestina, mas o conflito também os ajuda a promover sua própria agenda domésticaFoto: Mohammed Hamoud/Anadolu/picture alliance

A atual escalada entre o grupo rebelde houthi do Iêmen e a coalizão naval liderada pelos Estados Unidos no Mar Vermelho é útil aos militantes apoiados pelo Irã de várias maneiras. Na verdade, ela é até bem-vinda, segundo alguns analistas.

"Os houthis vinham procurando uma oportunidade de confronto com os Estados Unidos", disse à DW Hisham al-Omeisy, analista de conflitos no Iêmen e ex-diretor do Centro de Pesquisa de Informações sobre o Iêmen, em Washington. "Nos últimos oito anos, eles vêm dizendo aos seus seguidores que estão em guerra com os EUA e com Israel, logo esta é uma oportunidade de ouro para eles, que precisam capitalizar."

O Iêmen está em guerra civil desde 2014, quando o grupo rebelde houthi, apoiado pelo Irã, começou a lutar contra o governo nacional apoiado pela Arábia Saudita. Nove anos de confrontos deixaram o Iêmen dividido entre o norte e o oeste do país, controlados pelos houthis, incluindo o Estreito de Bab el-Mandeb, que leva ao Mar Vermelho, e o sul, controlado pelo governo reconhecido internacionalmente e seus aliados domésticos. Tribos locais dominam o leste.

A infraestrutura do Iêmen foi muito danificada e o conflito mergulhou a população em uma das piores crises humanitárias do mundo, de acordo com as Nações Unidas.

Enquanto isso, os houthis – oficialmente chamados Ansar Allah – estão em negociações com a Arábia Saudita para um cessar-fogo de longo prazo. Neste mês, espera-se que o enviado especial dos EUA para o Iêmen, Tim Lenderking, anuncie um acordo de paz entre a Arábia Saudita e os houthis.

"Ao forçar os sauditas a aceitá-los [como o governo nacional do Iêmen], os houthis esperam que o resto do mundo os siga e lhes conceda legitimidade internacional", disse al-Omeisy.

Até agora, somente o Irã reconhece os houthis como o governo legítimo do Iêmen, disse à DW Thomas Juneau, professor associado da Universidade de Ottawa, no Canadá, e analista do Oriente Médio.

"Eles querem forçar a comunidade internacional a lidar com eles ao sequestrar navios, disparar mísseis e negociar com a Arábia Saudita, e querem ser vistos como tendo se estabelecido como um membro-chave no 'eixo da resistência' liderado pelo Irã", explica, referindo-se à rede de grupos apoiados pelo Irã em toda a região que se opõem aos Estados Unidos e a Israel.

Houthis já "venceram"

Os ataques dos houthis a navios de carga no Mar Vermelho interromperam em grande parte uma rota vital de comércio internacional e foram, segundo a milícia, uma resposta à retaliação militar israelense em Gaza ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023.

"Os ataques dos houthis me assustam, pois ameaçam nossa frágil estabilidade", disse à DW Manar Saleh, uma mulher de 20 anos que mora na capital do Iêmen, Sanaa. "O Iêmen não experimenta a paz e a estabilidade há nove anos." Em sua opinião, os palestinos em Gaza devem ser apoiados, mas, idealmente, de formas que não envolvam "sacrificar a situação no Iêmen novamente".

Rebeldes houthi em duas filerias, com braços para o alto, em região seca
O Iêmen segue dividido após anos de combates, mas os houthis buscam se legitimar como governo nacional do paísFoto: Mohammed Hamoud/Anadolu/picture alliance

Um Ammar, mãe de cinco filhos em Sanaa, disse à DW que também está disposta a apoiar os palestinos "de todas as formas possíveis".

"No entanto, espero que sem prejudicar nosso próprio país", destaca.

"O público está apoiando amplamente os houthis, pois os iemenitas são muito engajados pela causa palestina", disse à DW Abdulghani al-Iryani, pesquisador sênior do think tank iemenita Sanaa Center for Strategic Studies.

Ele observou uma mudança de atitude em relação aos houthis nas últimas semanas. "Os houthis finalmente ganharam amplo apoio popular depois de serem odiados por anos, por serem muito duros com as pessoas sob seu controle, por sua corrupção, opressão e ideologia supremacista", destaca al-Iryani à DW. Os houthis "venceram esse confronto no dia em que dispararam o primeiro míssil", acrescentou.

Triunfo militar não é necessariamente o objetivo

Mohamed al-Iriani, pesquisador do Centro de Políticas sobre o Iêmen, disse que, até o momento, essa luta não se trata de buscar uma vitória militar para os houthis. Do jeito que está, a coalizão naval liderada pelos EUA contra os houthis tampouco alcançou a vitória militar.

"Isso dá aos houthis espaço para provocar ainda mais, e sua estratégia parece depender da expectativa de que os EUA, atualmente preocupados com sua política eleitoral interna, possam estar com uma capacidade limitada de responder de forma efetiva", ressalta al-Iriani à DW.

Além disso, este parece ser um conflito de baixo custo para os houthis apoiados pelo Irã. Um ataque de drone a um navio de carga no Mar Vermelho custa cerca de 1.200 dólares, enquanto que para a aliança liderada pelos EUA os custos são significativamente mais altos, cerca de 1,5 milhão de dólares por míssil, observou al-Omeisy.

Até mesmo uma ofensiva terrestre beneficiaria os houthis, advertiu. "A presença de militares no terreno reforçaria a legitimidade dos houthis não apenas no Iêmen, mas também regionalmente".

"Percebemos uma tendência nas últimas semanas em que até mesmo pessoas anti-houthis estão agora simpatizando com eles", disse al-Omeisy, acrescentando que o grupo rebelde também usou a guerra em Gaza para lançar uma grande campanha de recrutamento.

"É preciso lembrar que este é um país onde 80% da população precisa de ajuda e muitas pessoas estão empobrecidas. Portanto, se essa situação lhes oferecer uma oportunidade de colocar pão na mesa, por meio de emprego no exército ou em uma das outras facções, eles a aproveitarão", relata al-Omeisy. "Os iemenitas não querem uma guerra, mas se ela for imposta a eles, são ótimos combatentes, como demonstraram nos últimos oito anos."

A correspondente da DW Safia Mahdi contribuiu para este artigo a partir do Iêmen.