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Líder da junta militar no Chade favorito às presidenciais

Lusa
4 de maio de 2024

Mahamat Idriss Déby Itno, filho do antigo ditador do Chade, Idriss Déby Itno, é o candidato favorito nas presidenciais no país. A oposição foi eliminada e as instituições responsáveis pelo escrutínio estão sob controlo.

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Mahamat Idriss Déby Itno, favorito nas Presidenciais de segunda-feira (06.05)
Mahamat Idriss Déby Itno, favorito nas Presidenciais de segunda-feira (06.05)Foto: Denis Sassou Gueipeur/AFP/Getty Images

A corrida, sem precedentes no Chade - um presidente e o seu chefe de Governo apresentam-se como candidatos --, pode, no entanto, revelar-se um pouco mais atribulada do que o pouco carismático Mahamat "Kaka" Déby estaria à espera. 

Succès Masra, um antigo opositor ferrenho de Déby, líder do maior partido da oposição, o Les Transformateurs (Os Transformadores), e nomeado primeiro-ministro no início de janeiro, tem vindo a atrair grandes multidões ao longo da campanha e há mesmo quem não exclua a possibilidade do pleito eleitoral vir a ser decidido numa segunda volta, o que seria também algo inédito nas últimas quase quatro décadas de "reinado" da família Déby Itno.

Será entre os dois - Mahamat Kaka e Succès Masra - que as eleições serão decididas, de acordo com vários analistas contactados pela Lusa. Os restantes oito candidatos inscritos nos boletins de voto -- depois de outros dez terem sido impedidos de concorrer - deverão ser "praticamente ignorados" pelos mais de oito milhões de eleitores registados de entre uma população de 17,7 milhões. 

Processo de transição

O Chade conclui com as presidenciais de segunda-feira (06.05) um processo de transição que se arrasta há três anos, na sequência da morte do marechal Idriss Déby Itno, alegadamente morto por rebeldes na frente de combate, em abril de 2021.

Ao longo deste tempo, uma junta militar formada por 16 generais destituiu o parlamento chadiano; anulou a constituição e simulou um referendo para legitimar uma nova; iniciou um "diálogo interno" que deixou de fora os principais combatentes do regime; eliminou os principais opositores políticos, inclusive fisicamente; e tudo fez para assegurar uma transição "monárquica", sob um manto de "democracia", que possa ser aceite pela comunidade internacional.

"Estas eleições não passam de uma operação para legitimar o prolongamento do poder nas mãos de Mahamat Déby e do antigo sistema liderado pelo marechal Idriss Déby Itno", afirmou à Lusa Yamingue Betinbaye, analista do Internacional Crisis Group (ICG).

O marechal Idriss Déby Itno foi alegadamente morto por rebeldes na frente de combate, em abril de 2021
O marechal Idriss Déby Itno foi alegadamente morto por rebeldes na frente de combate, em abril de 2021Foto: Idriss Deby Itno/Facebook

"No início da transição, acreditámos realmente na possibilidade de as coisas virem a ser feitas de forma diferente, entretanto apercebemo-nos de que voltámos a cair nas mesmas práticas do passado", acrescentou.

"As pessoas perguntam-me muitas vezes se o Chade está a regressar à democracia, mas a questão tem as suas 'nuances'. No limite, o Chade está a regressar à ordem constitucional", considera Remadji Hoinathy, analista do Institute for Securities Studies (ISS) para a África Central, em declarações à Lusa.

Esta "ordem constitucional", por outro lado, também tem os seus matizes, desde logo porque assenta num apertado controlo da máquina eleitoral através de uma Agência Nacional para a Gestão das Eleições (ANGE) e de um Conselho Constitucional, com a responsabilidade de caucionar os resultados eleitorais, constituídos no âmbito deste processo de transição e preenchidos por figuras da total confiança do jovem general, candidato à sucessão do seu pai. 

Evariste Ngarlem Toldé, professor na Universidade de N'Djamena e antigo presidente do Sindicato dos Jornalistas do Chade, confessou à Lusa que "não era esta a ordem constitucional de que chadianos estavam à espera".

"Acreditávamos que, como o presidente [da junta militar] prometeu no início da transição, entregaria o poder a um civil democraticamente eleito; mas no ponto em que nos encontramos agora, [Mahamat Déby] tem fortes hipóteses de ser eleito, e não importa que tenha dito que abandonou as forças armadas", acrescentou Toldé.

Um motorista passa em frente aos cartazes de campanha dos candidatos presidenciais do Chade em N'Djamena, em 2 de maio de 2024
Um motorista passa em frente aos cartazes de campanha dos candidatos presidenciais do Chade em N'Djamena, em 2 de maio de 2024Foto: Issouf Sanago/AFP

Podem ocorrer tumultos

Os analistas contactados pela Lusa não arriscam dar como segura, ainda que por diferentes razões, uma decisão das eleições a uma só volta, mas todos dizem que o resultado - a ser apresentado até ao próximo dia 21 - poderá determinar a ocorrência posterior de tumultos. 

Se as eleições "forem bem organizadas" e resultarem numa distribuição razoável dos votos, "até poderá ser compreensível" que o vencedor seja conhecido a uma só volta, sublinhou Kelma France, professor de Ciências Políticas na Universidade de N'Djamena. 

Succès Masra pode vir a ser penalizado por vários fatores, desde logo por ter começado por aconselhar os seus apoiantes, sobretudo jovens, a boicotarem estas eleições, incluindo o recenseamento para as mesmas. 

Por outro lado, Mahamat Kaka surge à frente de uma coligação  - com o seu próprio nome: Consolidação dos Apoiantes do Candidato Mahamat Idriss Déby Itno (CRSCA-MIDI, na sigla em francês) - que reúne mais de 200 pequenos partidos e um milhar de organizações da sociedade civil, que gravitam em torno do antigo Movimento Patriótico de Salvação (MPS), fundado pelo seu pai.

Ainda assim, "se forem apresentados resultados ao estilo soviético, com votações na ordem dos 80%, vai ser muito complicado, vai frustrar as pessoas e criar tensões", prevê Kelma France, "sobretudo nas maiores cidades do sul do país" - concretizou Yamingue Betinbaye -, onde Succès Masra tem a maior parte dos apoiantes.

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