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Medvedev na América Latina

Eva Usi (rr)22 de novembro de 2008

Em viagem à América Latina, presidente russo quer fortalecer mundo multipolar em substituição ao unipolar sob a hegemonia dos EUA, intensificando contato sobretudo com o Brasil através do Bric, diz especialista alemão.

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O mundo segundo a Rússia: multipolar?Foto: picture-alliance/ dpa

O presidente russo, Dimitri Medvedev, iniciou sua visita à América Latina neste sábado (22/11) em Lima, onde participa do encontro de cúpula dos países do Fórum de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Apec, na sigla em inglês). Na segunda-feira, chega ao Brasil, de onde segue para Venezuela e Cuba.

Em entrevista a DW-WORLD.DE, Alexander Rahr, diretor do departamento Rússia e Eurásia da Sociedade Alemã para Política Externa, afirmou que, desde a era Putin, a Rússia possui um claro interesse na América Latina, ao contrário do período em que o país foi governado por Boris Ieltsin, que praticamente a ignorou.

"O próprio Putin visitou a região e creio que Medvedev seguirá a mesma linha de Putin. Trata-se de fortalecer as relações políticas, mas sobretudo a cooperação energética com os principais países petroleiros. A logo prazo, a Rússia pretende estabelecer uma organização mundial de gás nos moldes da Opep, mas para isso precisa do apoio e da cooperação dos principais países produtores latino-americanos", explica.

Rahr ressalta ainda outro aspecto do interesse russo na região. "Há certa expectativa quanto à visita de Medvedev a países como Cuba e Venezuela, que mantém uma postura crítica em relação aos Estados Unidos. Ele pretende deixar clara a postura russa e fortalecer um mundo multipolar capaz de substituir, nos próximos anos, o mundo unipolar soba a hegemonia dos EUA", avalia.

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DW-WORLD.DE: Após o encontro em Lima, o primeiro destino de Medvedev é o Brasil. O diretor da agência nuclear russa, Serguei Kirienko, disse que o intercâmbio comercial entre os dois países logo alcançará um volume de 10 bilhões de dólares, sobretudo devido à cooperação energética. Como você avalia as relações atuais entre Brasil e Rússia?

Alexander Rahr: É uma cooperação estratégica que ainda não foi longe. Mas a Rússia tem interesse em intensificar a cooperação com os demais países do Bric – Brasil, Índia e China – a fim de que o grupo se posicione como uma alternativa ao G8. Este ano, aconteceu o primeiro encontro ministerial do bloco. Agora, a Rússia tentará mostrar ao Brasil que considera a aliança um veículo importante para se obter um mundo mutipolar.

Também existe uma cooperação militar. A Rússia quer vender ao Brasil aviões da geração 4+ e do tipo SU-35. O que você sabe a respeito?

Os países latino-americanos têm interesse em adquirir um moderno armamento russo, pois não estão sujeitos aos padrões da Otan, como é o caso dos países do Centro e do Leste da Europa. Creio que isto tenha fins comerciais, afinal todos precisam de armamentos e os russos são mais baratos que os produzidos pelos países da Otan.

Essa cooperação militar com a América Latina existe desde os tempos da ex-União Soviética, em sua busca por conquistar mercados, melhorar as relações comerciais e assegurar fontes de divisas. Mas não se deveria sobrestimá-la.

A Rússia conta com 15 mil cabeças nucleares, o que desperta receios na região. O ministro da Defesa colombiano, Juan Manuel Santos, disse recentemente que a presença militar russa na América Latina poderia provocar uma nova Guerra Fria. Não se pode negar que a Rússia aspira a um papel central na geopolítica mundial, ou pode-se?

São, no máximo, sonhos. Não acredito que, do ponto de vista militar, a Rússia seja capaz de fazer algo mais pela região, além da venda de armas. Primeiramente, trata-se de uma cooperação comercial, quando muito de uma estratégia geopolítica para desafiar os EUA. A Rússia não é a União Soviética, nem do ponto de vista ideológico, nem político, nem militar. Não acredito que ela agora instale uma base militar em Cuba ou na Venezuela para provocar os EUA.

Como você avalia as relações entre Rússia e Cuba?

As relações bilaterais estão longe do nível que tinham na época da União Soviética. Não acho que Rússia e Cuba possam ter um importante intercâmbio comercial e a Rússia não tem base militar em território cubano. Será preciso esperar até que Raúl Castro deixe o governo. Os russos estão tentando fortalecer a cooperação com todos os países que são a favor de um mundo multipolar e Cuba é um deles. Mas não creio que haja muito além disso.

E as relações com a Venezuela?

Eu as classificaria como artificiais. Não há relações culturais, nem uma aliança estratégica na qual se possa ver claramente a construção de um mundo multipolar. Nem a Rússia, nem a Venezuela tem condições de fazê-lo. Se fosse criada uma organização mundial dos países produtores de gás, Rússia e Venezuela poderiam estar dentro e aí se poderia falar de uma aliança estratégica. Mas, por enquanto, creio que se trata de um encontro de países que querem provocar os EUA.

O semanário alemão Der Spiegel publicou um estudo realizado pelo Conselho Nacional de Inteligência dos EUA que prognostica seu declínio como potência mundial. Segundo o estudo, deverá surgir um mundo multipolar, com novos líderes como Índia e China. Já a situação da Rússia seria incerta, devido à criminalidade e à corrupção.

É difícil saber agora quem se sairá melhor dessa crise financeira. Provavelmente, os países do Bric terão sofrido menos que muitos países ocidentais, mas também poderia acontecer o contrário. Ainda é cedo demais para dizer como será a nova ordem mundial depois da crise.

Os Estados Unidos perderam credibilidade, autoridade e integridade moral como líderes de um mundo capitalista. A longo prazo, naturalmente haverá outros pólos. Não será a Rússia, nem a China. Mas surgirão alianças entre organizações, instituições e grupos de países com aspirações a participar na condução política e econômica do mundo.

Alexander Rahr DGAP
Alexander Rahr, da DGAPFoto: DGAP

Alexander Rahr é diretor do programa Rússia/Eurásia da Deutsche Gesellschaft für Auswärtige Politik (Sociedade Alemã para Política Externa, DGAP), um think-tank independente, sem ligação a nenhum partido político e sem fins comerciais, que participa ativamente do processo de tomada de decisões na Alemanha e promove a compreensão da política externa alemã e das relações internacionais do país.