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HistóriaAlemanha

1905: Ópera de Strauss escandaliza na estreia em Dresden

Rachel Gessat Publicado 9 de dezembro de 2015Última atualização 9 de dezembro de 2020

No dia 9 de dezembro de 1905, estreava em Dresden, na Alemanha, a ópera "Salomé", de Richard Strauss. Baseada em um drama de Oscar Wilde, a peça desencadeou protestos por causa do erotismo da encenação.

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150. Geburtstag von Richard Strauss
Foto: Richard-Strauss-Institut

Apesar do frio de inverno que fazia nas ruas de Dresden em dezembro de 1905, o público que compareceu à ópera da cidade deve ter sentido até calor, com tudo o que viu e ouviu tão logo as cortinas se abriram para a encenação da nova peça de Richard Strauss.

O cenário mostrava um palácio real oriental dos tempos de Jesus Cristo. João Batista, um dos personagens, era prisioneiro do rei Herodes em um lúgubre cárcere subterrâneo. Salomé, filha adotiva de Herodes, apaixona-se por João, jogando-se intempestivamente em seus braços, mas sendo por ele bruscamente repelida.

A dança dos sete véus

No meio da peça de um ato único de 90 minutos, o público assiste à cena decisiva: Herodes força a filha adotiva – pela qual ele sente uma enorme atração – a dançar para ele, prometendo, em troca, satisfazer todas as suas vontades. Salomé dança então a "dança dos sete véus" e, ao deixar cair o último dos véus, provoca em Herodes um entusiasmo sem precedentes. O poderoso rei pergunta então a ela qual das suas vontades deve ser satisfeita: "O que você quer, Salomé?" – "Quero a cabeça de João Batista", responde ela.

Até Herodes sentiu-se chocado com o desejo de Salomé. Ele temia mandar matar um homem santo e insistiu para que a filha adotiva mencionasse outro desejo. Salomé, no entanto, não desistiu: "Eu exijo a cabeça de João Batista".

O compositor alemão Richard Strauss
O compositor alemão Richard StraussFoto: picture alliance / Luisa Ricciarini/Leemage

No final, o rei acabou cedendo e o público de Dresden presenciou uma das cenas mais horrendas já representadas em uma ópera até então: Salomé travando com a cabeça decepada de seu amado um longo, louco e desesperado "diálogo". Ela debocha de João Batista morto. Ao mesmo tempo, implora por seu olhar, sua atenção e termina beijando os lábios ensanguentados daquele que veio preparar a vinda de Cristo. Repugnado, Herodes ordena que matassem também Salomé.

O público, entusiasmado, aplaudiu freneticamente o espetáculo, fazendo com que os cantores e atores voltassem 36 vezes ao palco. Escândalo, decadência e perversão eram exatamente os temas cultuados naquele fin de siècle, capaz de agradar uma platéia que dá valor a encenações de vanguarda.

Freud acabara de publicar em Viena suas teorias sobre a sexualidade como impulso propulsor do comportamento humano. Ao mesmo tempo, escritores como Arthur Schnitzler e Oscar Wilde – cuja peça Salomé inspirou Strauss ao compor sua ópera – tornaram-se famosos ou mal-afamados em parte devido à conotação livre ou até libertina de seus textos.

Os críticos conservadores ficaram horrorizados com o espetáculo e até mesmo alguns artistas da Ópera de Dresden rechaçaram inicialmente a Salomé de Strauss. A soprano Marie Wittich recusou o papel, alegando ser uma "mulher honrada". Não apenas a abordagem franca da sexualidade chocava o público da época. Em termos musicais, Strauss havia se afastado bastante do convencional.

Mahler aprova

Para ressaltar as emoções e os acontecimentos, o compositor desrespeitou as regras da harmonia, fazendo com que a ópera fosse cantada em diversas tonalidades ao mesmo tempo. Isso entusiasmou Gustav Mahler, que na época trabalhava na Ópera da Corte de Viena: "Uma obra forte e genial, que definitivamente está entre as mais significativas que a nossa época criou".

Mahler tentou conseguir os direitos para que Salomé estreasse em Viena, mas teve que desistir, diante do veto da censura. O Imperador Guilherme 2º só a liberou na Prússia depois de assegurar-se de que, no final sombrio da peça, despontaria no horizonte do cenário a estrela de Belém, como sinal de que a babel dos pecados não ficaria com a última palavra.