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A Europa precisa de Deus?

Luna Bolivar / Bernd Riegert (sm)12 de setembro de 2007

Desde que a Europa passou a contar os anos, sua história está ligada ao cristianismo. A maioria dos europeus é crente. Mesmo assim, o novo Tratado da UE não se refere a Deus, nem menciona Cristo.

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Tratado Constitucional da UE não menciona DeusFoto: AP

Eles viajavam muito para anunciar a mensagem de Deus. Os quilométricos rolos de papiro não se adequavam às suas finalidades missionárias. Era na forma do códice romano – pequenas folhas de pergaminho protegidas por duas placas de madeira – que os cristãos carregavam sua Sagrada Escritura. O que eles estavam propagando não era só uma crença, mas sim o escrito que viria a se tornar o maior best-seller de todos os tempos: a Bíblia. Era o século 2º depois de Cristo.

"É uma mentira histórica dizer que a cultura européia não foi marcada pelo cristianismo", opina Hubert Tintelott, porta-voz do Comitê Central dos Católicos Alemães. "Sempre volto a constatar que existem grandes déficits históricos em relação à reflexão sobre influências judaicas e muçulmanas na Europa", comenta – por sua vez – Aiman A. Mazyek, secretário-geral do Comitê Central dos Muçulmanos da Alemanha.

Mas esse debate está encerrado. Pelo menos para a política. O preâmbulo do novo Tratado Constitucional da União Européia não faz menção à herança cristã da Europa, além de não conter nenhuma referência a Deus.

Três componentes de um modelo de valores

"Partindo da herança cultural, religiosa e humanística da Europa, da qual se desenvolveram os direitos humanos invioláveis e inalienáveis, bem como a democracia, a igualdade e o Estado de direito": é esta a formulação que consta do preâmbulo do novo tratado.

Deus não é mencionado, apesar do apelo de todas as religiões monoteístas, do cristianismo ao islã. O documento cita tanto a "herança religiosa" da Europa quanto o humanismo – justamente esta visão de mundo que criticou duramente a dominação absoluta da vida humana pela Igreja e posicionou a humanitas no centro do universo, ou seja, no lugar de Deus.

"A formulação é boa: a herança cultural e religiosa, dependendo de onde a pessoa extraia sua inspiração em sua visão religiosa, e a herança humanista da Revolução Francesa e do Iluminismo. São esses três componentes que representam o modelo de valores da Europa, e constam do novo Tratado Constitucional", comenta Jo Leinen, deputado social-democrata no Parlamento Europeu.

Unida na diversidade

Em 1789, muito sangue correu na França, para que o povo fosse libertado da opressão de um rei que governava em nome de Deus. O povo alemão teve péssimas experiências de 1931 a 1945, quando o Estado tentou tomar o lugar da religião. Os espanhóis ainda se lembram da "única verdadeira doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana", que inspirou as leis de Franco. Para os poloneses, por sua vez, a Igreja Católica foi uma adversária ativa da ditadura nacional. A Europa é "unida na diversidade": um dos slogans prediletos da UE.

"Nos diversos países da UE, há diferentes tradições e culturas de como lidar com a religião no contexto das comunidades humanas e dos Estados." É assim que Hans-Gert Pöttering, presidente do Parlamento Europeu, argumenta a decisão de excluir a referência a Deus do Tratado Constitucional.

O Instituto Europeu de Estatísticas (Eurostat) fez uma enquete sobre as confissões da população da comunidade. Outras pesquisas indicam, no entanto, que os cristãos estão em maioria na Europa e que a maioria dos europeus acredita em Deus. Como católico, Pöttering teria apreciado a menção a Deus no Tratado Constitucional, assim como seus correligionários democrata-cristãos. No entanto, a França e a Bélgica repudiaram qualquer referência, motivadas por seu laicismo. O Parlamento Europeu, única instância puramente democrática da UE, também votou contra.

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A Europa e o cristianismo

No ano 313 d.C., o imperador romano Constantino, o Grande, pôs fim à perseguição dos cristãos. Após o declínio do Império Romano Ocidental, os romanos continuaram regendo o Império Bizantino por mais mil anos. Em meados do século 1º, o imperador Justiniano 1º declarou o cristianismo religião oficial do Império Romano do Oriente. No século 4º, a crença cristã chegaria até os germanos: não havia mais como deter a cristianização da Europa.

A Europa foi marcada pelo cristianismo – esse é um fato que os cristãos gostariam de ver refletido no Tratado Constitucional da UE. Mas mesmo que a herança cristã européia não seja indiretamente mencionada, "é preciso ver que este tratado descreve claramente valores que podem ser considerados cristãos", constata Pöttering. Ou seja, os cristãos não deveriam se resignar.

Gregos, romanos, muçulmanos, o Iluminismo, o movimento trabalhista, a filosofia e muitas outras coisas também poderiam ter sido mencionadas no preâmbulo. Mas não será o caso.

O perigo está mais embaixo

"A UE respeita e não interfere no status que as legislações dos países-membros atribuem às Igrejas e às organizações ou comunidades religiosas." Isso é o que consta do artigo I-52 do novo Tratado Constitucional da União Européia, referente ao "status das Igrejas e comunidades ideológicas".

O debate sobre o preâmbulo do tratado é apenas uma discussão de aparência, na opinião dos membros da IBKA, uma federação internacional de ateus e pessoas sem confissão religiosa. "O preâmbulo é poesia e não tem nenhum significado jurídico. Decisivo mesmo é o artigo sobre as Igrejas, a ser incluído no novo tratado. Mas disso infelizmente não se fala nada", lamenta o presidente da IBKA, Rudolf Ladwig.

No esboço constitucional, o artigo 46 regulamenta como as organizações não-governamentais podem participar da União Européia. "Esse artigo não se aplica à Igreja Católica, pois ela não preenche os critérios. Ela é uma organização profundamente hierárquica e não democrática, além de não reconhecer a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Numa espécie de negociação secreta, acabou se chegando a um consenso sobre o artigo relativo às Igrejas. Ele surgiu de repente, sem muita discussão, e garantiu o atual status das Igrejas em nível nacional e europeu."