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Material da escrita

Simone de Mello27 de abril de 2007

A disputa por formatos não é invenção da era digital. O uso do papel oscila há muito tempo entre norma e variação, acompanhando em geral necessidades econômicas.

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Edição do 'Frankfurter Rundschau' em língua desconhecida, publicada em 2003 como parte de uma campanha contra o analfabetismoFoto: AP

O jornal alemão Frankfurter Rundschau anunciou que pretende reduzir seu formato pela metade e se relançar como tablóide a partir do próximo verão (setentrional). Mais um órgão de imprensa à beira da falência procura, portanto, se reformatar para suportar a concorrência do webjornalismo, economizando no papel (e no pessoal, evidentemente). Mas o FR, um jornal da grande imprensa alemã que mantém – bem ou mal – um perfil liberal de esquerda mais internacionalizado, promete originalidade, adotando um formato tablóide "sem precedentes no mercado alemão".

Bundestagswahl - Schlagzeilen Titelseiten von Zeitungen mit Fotos von Bundeskanzler Gerhard Schröder
Grande variedade de formatos na imprensa alemãFoto: dpa

O formato dos jornais alemães costuma espantar estrangeiros. O Die Zeit, por exemplo, com 374,5 x 528mm, um formato norte-alemão, dificilmente pode ser lido na banheira, algo mais viável em padrões mais sulinos, como o formato suíço, por exemplo, ou o semi-nórdico, adotado pelo principal jornal da imprensa marrom alemã, o Bild. Aliás, o formato tablóide chega a ser associado – por contaminação semântica – aos jornais sensacionalistas.

Normas e variantes

Rororo Logo
RO-RO-RO se consagrou como marca registrada

Reduzir o formato para economizar papel é uma regra econômica com exceções. Na Alemanha do pós-guerra, a editora Rowohlt contornou a escassez da década de 40, adotando o formato jornalístico para publicar livros. Na falta de papel apropriado para imprimir literatura, a editora lançou seus célebres "romances de rotação" (Rororo, Rowohlts Rotations-Romane) em papel-jornal barato, com tiragens de cem mil exemplares e um preço de 50 centavos por exemplar. O livro de bolso, formato lançado na Inglaterra pela Penguin em meados dos anos 30, chegaria à Alemanha 20 anos depois, também por iniciativa da Rowohlt.

Mas o formato pequeno para livros não é invenção da escassez e nem da modernidade. O chamado Kölner Mani-Kodex, do século 5º, tem 3,5 x 4,5cm – este códice sobre a vida do fundador do maniqueísmo devia circular clandestinamente em tempos de perseguição por parte dos cristãos. De qualquer forma, a editora que hoje quiser chamar atenção com formatos inovadores terá que pagar caro, pois o aproveitamento total das folhas industriais de papel prescreve uma variedade limitada de formatos.

Plagiatpreis "Plagiarius 2007" - 2. Preis
Plágio da Moleskine por uma empresa alemãFoto: plagiarius

Hoje, a tendência é marcar a identidade através de um padrão divergente, como no caso do futuro formato tablóide do Frankfurter Rundschau. Ou dos novos cadernos Moleskine, a tradicional marca francesa supostamente propagada entre artistas e intelectuais na Paris na década de 20, popularizada em toda a Europa pelo fabricante italiano Modo & Modo, que incorporou a marca em 1998 (e foi incorporado, por sua vez, por um grupo francês em 2006). Os formatos Moleskine divergem visivelmente dos habituais, derivados de normas internacionais.

Mas variação só pode haver onde impera a regra. E numa época em que os arquivos não eram digitais, mas sim ordenados em estantes repletas de papel, um formato único era o sonho de qualquer arquivista ou pesquisador.

"Um desejo monstruoso" de padronização

"Em princípio todas essas desvantagens podem ser eliminadas, tomando-se a decisão apriorística de que toda a literatura (usando esta palavra no sentido mais lato possível, ou seja, para tudo o que é impresso, escrito e reproduzido de alguma forma) seja editada somente em determinados formatos unitários que garantam que todo esse material combine automaticamente entre si, não importa a fonte de onde provenha e a finalidade a que sirva. Em um primeiro momento, um desejo desses parece monstruoso, levando qualquer um a duvidar seriamente da possibilidade de realizá-lo."

Era assim que argumentava o cientista alemão Wilhelm Ostwald (1853-1932) sua iniciativa de criar um formato mundial para o papel, em 1911 – embora sua proposta tenha sido ofuscada uma década depois pelos padrões estabelecidos pelo Instituto Alemão de Normatização (DIN), em 1922, padrões esses que viriam a servir de parâmetro para normas internacionais. A principal desvantagem mencionada por Ostwald era a dificuldade de arquivar documentos escritos nos mais diversos formatos.

Na passagem do século 19 para o 20, os visionários entusiastas de um intercâmbio global defendiam a padronização de formatos como forma de otimização, destacando sobretudo a viabilidade econômica de um mundo de tamanhos únicos. Por mais que existam normas internacionais, a prática mostra – no entanto – que a as adaptações regionais falam mais alto e que a diferenciação pode ser instrumentalizada como importante fator econômico (vide a disputa do mercado mundial por diferentes formatos digitais).

"A forma tem algo de agradável"

Georg Christoph Lichtenberg Kalenderblatt
Georg Christoph LichtenbergFoto: picture-alliance/ dpa

Sorte a de quem, como o filósofo Georg Christoph Lichtenberg, descobriu por necessidade própria um formato que compatibilizasse com todos os outros – forma patens, fólio, quarto, 8º, 16º – e ainda o considerou agradável. Numa carta de outubro de 1786, Lichtenberg escreve ao filósofo e economista Johann Beckmann uma carta numa folha de papel em que "o lado menor do retângulo está para o maior numa relação de 1 para √2 (raiz de 2) ou como o lado de um quadrado em relação à sua diagonal". Sem saber Lichtenberg estaria antecipando o princípio a ser adotado posteriormente pelo formato DIN.

"A forma tem algo de agradável e excelente em comparação com a comum", escreveu o filósofo. Quem ainda escreve em papel sabe que grande é a sorte de encontrar um formato adequado à escrita individual em meio a tantos padrões e exceções.