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Tribunal de Nurembergue revolucionou Justiça internacional

Deanne Corbett (mp)19 de novembro de 2005

Coordenado por norte-americanos, há 60 anos, o Tribunal de Nurembergue julgou 22 líderes nazistas por crimes contra a humanidade. Hoje os EUA não reconhecem o Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia.

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Sala 600, onde aconteceram os julgamentos históricosFoto: AP

O julgamento de 22 líderes nazistas na Corte de Nurembergue começou em 20 de novembro de 1945. Seis décadas depois, o legado de Nurembergue se evidencia no desenvolvimento do moderno Direito Internacional.

Nurembergue hoje é praticamente um marco na Justiça internacional devido ao julgamento dos crimes da Segunda Guerra. Escolhido pelos Aliados no final da guerra, o tribunal coordenado pelo chefe da Justiça norte-americana, Robert Jackson, colocou 22 nomes do grupo de elite do nazismo, incluindo Hermann Göring, Rudolf Hess e Joachim von Ribbentrop, no banco dos réus. Os julgamentos duraram mais de um ano e resultaram em 12 sentenças de morte. Göring foi condenado, mas cometeu suicídio.

Der internationale Strafgerichtshof in den Haag
Sede do Tribunal Penal Internacional (TPI) de HaiaFoto: ICC

O Tribunal de Nurembergue foi revolucionário em vários aspectos, inclusive nos avanços que promoveu na proteção dos direitos dos réus.

"Nós nunca devemos esquecer que os registros do julgamento destes réus hoje são os registros pelos quais a história irá nos julgar amanhã", advertiu Jackson na sessão de abertura. "Dar para estes réus um cálice de veneno significa colocar veneno nos nossos lábios também."

Em Nurembergue, crimes de guerra foram julgados pela primeira vez em um tribunal internacional. Ficou claro, de acordo com o discurso de Jackson, que os norte-americanos, em particular, esperavam que o tribunal servisse de modelo para um sistema de Justiça internacional com uma corte permanente para casos de genocídio e crimes contra a humanidade.

De proponente a oponente

Ironicamente, nos anos seguintes, os Estados Unidos se tornaram a maior força de resistência ao estabelecimento do Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, afirma Uwe Wesel, professor emérito de Direito Civil e História do Direito da Universidade Livre de Berlin.

"Na época dos julgamentos de Nurembergue, as Nações Unidadas escolheram uma comissão internacional de especialistas em Direito, mas essa comissão tropeçou em diversos obstáculos", diz Wesel. "A Guerra Fria veio e os Estados Unidos começaram a pensar duas vezes antes de participar, em função do medo que os norte-americano acabariam também sendo julgados por crimes de guerra. Após o fim da União Soviética, eles continuam hesitando."

Diante da resistência dos norte-americanos em se submeter às leis criminais internacionais, o fato de o TPI existir é um "milagre", opina Wesel.

Ele acrescenta que "a hostilidade dos Estados Unidos diante da Justiça criminal internacional tem se fortalecido principalmente na administração Bush, resultando na aprovação do American Service-Member's Protection Act, que permite aos Estados Unidos, se necessário, usar a força para libertar norte-americanos mantidos sob custódia pelo TPI".

Ajustar precedentes legais

Especialistas vêem em Nurembergue a raiz para todos os jugamentos subseqüentes relacionados aos direitos humanos, dos processos movidos contra o presidente iugoslavo Slobodan Milosevic até os julgamentos dos acusados de genocídio em Ruanda, passando pelo processo formal do ditador iraquiano Saddam Hussein.

Mas a decisão de levar Saddam a uma corte especial no Iraque tem sido vista por especialistas como uma falha a ser corrigida nas lições de Nurembergue. Em 1945, os Aliados foram criticados por juristas que disseram não ser apropriado que os derrotados fossem julgados somente pelos vencedores.

Wolfgang Schomburg, o único juiz alemão no Tribunal das Nações Unidas para Ruanda, disse que a corte iraquiana, escolhida durante a ocupação norte-americana, se assemelha ao caso dos "vencedores que julgam os derrotados". Para ele, o ideal seria levar o caso a uma corte internacional.

Saddam Hussein erneut vor Untersuchungsrichter
Schomburg: 'No caso de Saddam, uma corte internacional teria mais legitimidade'Foto: dpa

"O julgamento teria mais legimidade, se o caso fosse submetido à apreciação de uma corte internacional", afirma Schomburg. "Esses crimes são sempre cometidos contra o mundo civilizado e a apreciação deveria ser feita pelo mundo civilizado. Ou seja, por um tribunal internacional com uma visão distanciada, mais neutra."

As lições da Alemanha

Schomburg é a prova viva de que as nações cujos cidadãos cometem crimes hediondos contra a humanidade podem, com o amparo de procedimentos judiciais justos, pôr um ponto final no passado e seguir adiante. Embora ele se veja como um juiz internacional, tem a consciência de que, diante da sua nacionalidade, pode mostrar ao mundo, através das suas atitudes, que a Alemanha voltou ao normal.

"E estou festejando o fato de ter concluído os primeiros quatro anos do meu trabalho no tribunal sem um único membro do grupo ter me questionado como eu, um alemão, posso atuar nesse tribunal", disse Schomburg.

"Por outro lado, eu fico geralmente comovido quando cito partes dos julgamentos de Nurembergue, ao ver como nós estamos sempre em confronto com o passado e com as lições aprendidas pela sociedade alemã."

Schomburg ainda tem a esperança de que os Estados Unidos recuem, lembrem-se dos julgamentos de Nuremberg e endossem a Corte de Crimes Internacionais.

"Sou sempre um otimista", afirma Schomburg. "Eu acho que os norte-americanos têm dado uma incrível contribuição para a regulamentação das leis e a fundamentalização dos direitos. É possível que os EUA acabem tendo que ratificar a ICC por verem que é em seu próprio benefício. Por outro lado, é difícil aceitar que cobrem que lutemos contra o terrorismo com meios civilizados e, ao mesmo tempo, não permitam que a legislação internacional lute contra os crimes cometidos pelos terroristas."