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Sloterdijk denuncia democratização epidêmica

Simone de Mello22 de março de 2005

O filósofo Peter Sloterdijk participa da exposição "Making Things Public", em Karlsruhe, com um esboço de como transformar a democracia em produto de consumo.

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Peter Sloterdijk descreve ameaça das ilhas de prosperidade do OcidenteFoto: dpa

O filósofo Peter Sloterdijk (68) esboçou um produto instantâneo ideal para propagar a cultura política do Ocidente em todo o mundo: um Parlamento inflável que pode ser lançado via aérea, a fim de instaurar a democracia com a maior rapidez possível nos "Estados delinqüentes" que tenham acabado de ser subjugados.

O Parlamento com capacidade para 160 deputados pode ser transportado num único contêiner, oferecendo todas as condições necessárias para o processo democrático dentro de apenas 24 horas, excluindo o tempo de vôo. No entanto, sem um empurrãozinho das Forças Aéreas norte-americanas, o sucesso do empreendimento seria impensável. Afinal, ironiza Sloterdijk, os americanos já mostraram "grande êxito no emprego da democracia via aérea".

Missionarismo democrático do Ocidente

Bildgalerie Deutsche Kunst der Nachkriegszeit Außenansicht der Frontseite des Karlsruher Zentrums für Kunst und Medientechnologie (ZKM)
ZKM – Centro de Arte e Tecnologia de Mídia de KarslruheFoto: dpa

Com esta instalação de Sloterdijk, a mostra Making Things Public: Atmosferas da Democracia, recém-inaugurada no Centro de Arte e Tecnologia de Mídia (ZKM), de Karlsruhe, contrabandeia entre as obras de arte o discurso de um polêmico pensador contemporâneo alemão. O interesse dos curadores Bruno Latour e Peter Weibel era justamente "encontrar novos caminhos para se refletir sobre política e desenvolver procedimentos que possam levar a uma nova forma de trabalho entre artistas e teóricos".

Em sua contribuição à mostra, Sloterdijk, professor de Estética e Filosofia na Escola Superior de Artes Aplicadas de Karlsruhe, atribui uma dimensão bélica ao missionarismo ocidental e sua meta de democratizar o mundo. Do ponto de vista do Ocidente, a democracia é algo bom a ser imitado. "E como contaminação funciona bem num mundo denso, a democratização poderia dar certo através de uma infecção mimética", explica Sloterdijk em entrevista ao diário Die Welt.

Ausstellung Making Things Public
Maquete 'Parlamento Público', de: 'The Public of Parliaments Cabanas & Palácios' (Nanni Grau, Frank Schönert) com Ludger SchwarteFoto: Foto: Frank Hülsbömer

Porém, a contaminação democrática tem fronteiras e não funciona em todas as partes do mundo, segundo ressalva o filósofo. "O mundo árabe ainda não atingiu o grau de densidade que caracteriza o mundo ocidental. Falta de densidade também é o maior déficit estrutural da África; em conseqüência disso, bons exemplos não se propagam com tanta rapidez, só a Aids mesmo é que galopa."

O gueto do capital

Embora a globalização pareça dar margem à transferência ilimitada de modelos de um espaço cultural para o outro e pareça apontar para a abolição das fronteiras, o que ocorre – segundo Sloterdijk – é justamente o contrário: "Minha teoria descreve a globalização como um fenômeno de exclusão sem precedentes. O mundo do bem-estar tende a criar um espaço interior bastante hermético, sem levar em conta qualquer homogeneidade regional ou nacional. Eu denomino isso o 'interior do mundo do capital'".

Em seu último livro Im Weltinnenraum des Kapitals: Für eine philosophische Theorie der Globalisierung (No Interior do Mundo do Capital: Por uma Teoria Filosófica da Globalização), recém-publicado pela editora Suhrkamp, Sloterdijk descreve a criação de um complexo de conforto, um espaço interior com fronteiras invisíveis, mas intransponíveis para quem está de fora. Ou seja: uma ilha habitada por um bilhão e meio de pessoas, flutuando num mar povoado por uma população três vezes maior.

Ausstellung Making Things Public
Abraham Bosse: frontispício do 'Leviatã' de Thomas Hobbes, 1651, na mostra 'Making Things Public'Foto: British Library, London

Nem as nações mais jovens escapam deste modelo: "Hoje a Índia deve ser uma zona de prosperidade com 200 milhões de pessoa, flutuando num oceano gigantesco onde grassa a miséria de mundo agrário arcaico. Na China, a reforma capitalista do comunismo deve ter beneficiado 400 milhões de pessoas, deixando 800 ou 900 milhões na mais absoluta falta de perspectiva", ressalta Sloterdijk ao Die Welt.

Mas o prognóstico de Sloterdijk para as ilhas de prosperidade do Ocidente também não é dos mais otimistas: "A era dos grandes alívios está acabando. Por um bom tempo se misturou o gás do riso da segurança social à atmosfera da Europa Ocidental. Hoje ainda continuamos a respirar ares de consumismo, sem os quais dificilmente se poderia impulsionar uma conjuntura. Remuneração sem empenho e segurança sem luta foram os ingredientes existenciais da Europa durante meio século. Foi isso que ajudou a determinar o clima. Mas agora as pessoas vão ter que sofrer para aprender que as coisas vão ter que funcionar com mais empenho próprio e menos gás do riso".