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A queda de Hitler e o experimento Goebbels

Soraia Vilela1 de setembro de 2004

Cinema alemão remexe passado nazista com dois longas: "A Queda" encena os últimos dias de Hitler em seu bunker, enquanto "O Experimento Goebbels" reconstrói a vida do ministro da propaganda do Terceiro Reich.

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Bruno Ganz como HitlerFoto: 2004 Constantin Film, München

Os labirintos da história alemã estão sendo cutucados pelas câmeras. Alguns jornais apontam a "quebra de um tabu", outros alertam para o perigo de uma "humanização da figura de Hitler" e outros chegam a dizer que só agora uma nova geração alcança, enfim, a distância histórica necessária para tratar do nazismo. De uma forma ou de outra, o assunto chegou à mídia do país.

Doze dias em duas horas e meia

Filmszene - Der Untergang
Cena de «A Queda»: Juliane Köhler (Eva Braun), Bruno Ganz (Adolf Hitler) e Heino Ferch (Albert Speer)Foto: 2004 Constantin Film, München

A Queda

- Hitler e o Fim do Terceiro Reich (Der Untergang - Hitler und das Ende des Dritten Reiches), dirigido por Oliver Hirschbiegel e produzido por Bernd Eichinger, custou nada mais nada menos que 13,5 milhões de euros. Tomando os 12 últimos dias de um Hitler alheio à realidade, escondido em seu bunker berlinense em estado de semidelírio, o longa de duas horas e meia é tido por Eichinger como um filme que quer "contar e não documentar". A questão é saber se a figura de Hitler permite ser transformada em personagem, deixando de lado o teor (e o terror) documental que todo o período nazista carrega.

Baseado em uma biografia do ditador escrita por Joachim Fest e nas lembranças da então jovem secretária de Hitler, Traudl Junge (publicadas em 2002), A Queda é protagonizado pelo ator suíço Bruno Ganz. Para muitos, Ganz encarna um Hitler com um rosto demasiado humano. Um homem que adora chocolates e é extremamente dócil com as mulheres que lhe servem. Enquanto o diário popular Bild questiona "se é possível mostrar humanamente um monstro", o semanário Die Zeit acalma os ânimos, avisando que o filme não desencadeia qualquer fascinação mórbida e tampouco coloca o nazismo em molduras de um épico.

O roteiro cobre os acontecimentos no bunker entre o 20 de abril (aniversário de Hilter) e o 2 de maio de 1945 (data de seu suicídio). O tempo rola quase em câmera lenta. Visitantes entram e saem, vão e voltam. Enquanto soldados e civis morrem do lado de fora, o ditador continua de forma bizarra a comandar tropas que não estavam mais sob seus domínios, ignorando ou fingindo que não percebia a queda iminente. A família Goebbels, também vivendo no abrigo subterrâneo, se auto-extermina (a mulher do ministro da propaganda envenena seus filhos e se mata junto com o marido). Um dia antes do fim, Hitler casa-se pateticamente com sua amante Eva Braun, que viria também a se suicidar junto com ele.

Ignorando o contexto histórico

A Alemanha que seguia e venerava Hitler, as milhares de pessoas que aplaudiam seus discursos anti-semitas em praça pública, desaparecem desta Queda encenada, onde tempo e espaço parecem ter-se desvencilhado do mundo real. Segundo observa o diário Der Tagesspiegel, "o filme arranca os 12 últimos dias do regime nazista de seu contexto histórico, acreditando que estes devam servir de espelho do Terceiro Reich. Isso sem, contudo, questionar as razões, conseqüências e lições deixadas pelo ocorrido. Restando assim um filme, apesar de toda a ação, estranhamente vazio".

Não há, segundo o semanário Die Zeit, "espaço para qualquer relativismo ideológico. No entanto, o filme deve deixar indignados os historiadores que esperam e gostariam que os descarrilamentos criminosos de um país inteiro servissem para aprender alguma coisa. Mesmo que apenas para desenvolver uma sensibilidade maior frente a tendências que podem levar a crimes comparáveis aos cometidos no passado".

Nazismo light?

Em um tema para a mídia, A Queda definitivamente já se transformou. Resta saber o que o público tem a dizer a partir do próximo 16 de setembro, quando o filme estréia nos cinemas do país. Com uma câmera situada muitas vezes atrás de Bruno Ganz na pele de Hitler, o filme salienta o tremor da mão escondida do ditador, evidentemente enfermo e enfraquecido. Cenas que, entre outras, fizeram com que parte da mídia britânica denunciasse a tentativa de forjar um "nazismo light", em que os alemães passam de algozes a vítimas no contexto da Segunda Guerra.

Leve ou não, "o sofrimento dos algozes no fim do filme não se equipara ao das vítimas. O povo que esperava sua queda não eram os alemães, mas sim os judeus nos campos de concentração. E foi por pouco que os alemães não teriam conseguido exterminá-los historicamente de forma perfeita. A mão trêmula de Hitler como a de um paciente de Parkinson e o pé deformado de Goebbels não conseguem etiquetar os crimes alemães com uma data de validade, mesmo que estes sejam encenados com todo afã", analisa o diário Der Tagesspiegel.

Autocompaixão e fanatismo

Joseph Goebbels
Joseph GoebbelsFoto: AP

O Experimento Goebbles (Das Experiment Goebbels) desfila a biografia do ministro da propaganda nazista pelas telas, sob a direção de Lutz Hachmeister e Michael Kloft. O longa, que poderá ser visto pelo público no segundo semestre deste ano, reconstrói a trajetória de Joseph Goebbels (1897-1945), destacando seu ódio a judeus e católicos, sua autocompaixão, sua admiração pela figura de Hitler e seu fanatismo pelo poder.

Embora distantes no formato e no enfoque, tanto A Queda quanto O Experimento Goebbels parecem ignorar as massas exultantes de cidadãos alemães, "frente às quais Goebbels e Hitler parecem praticamente perdidos. De onde elas vinham e para onde foram?", pergunta o diário Frankfurter Allgemeine ao comentar os tropeços de O Experimento Goebbels. É provável que se trate de uma prática não pouco comum: a de dar um rosto para o mal, colocando-o bem longe do quintal da própria casa. De preferência, enterrado nos subterrâneos de uma cidade. E nos porões de várias consciências.