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Deus mora no cérebro?

(ns)7 de fevereiro de 2003

As últimas tentativas de cientistas localizarem a região do cérebro ligada à percepção de Deus provocou uma série de reações das Igrejas Católica e Protestante na Alemanha e na Europa.

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"A criação" de Michelangelo - teria o homem criado a idéia de Deus?Foto: AP

Será que Deus não passa de uma elocubração do cérebro humano? Os resultados das últimas pesquisas neurológicas nos Estados Unidos deram atualidade à velha questão. Recorrendo à técnica de ressonância magnética funcional (fMRI), os pesquisadores mapearam o cérebro de pessoas submetidas ao teste, registrando e localizando onde se dava o conhecimento de Deus. Verificou-se que era possível provocar experiências místicas e religiosas na maioria das pessoas, estimulando-se certas partes do seu cérebro através de ondas eletromagnéticas.

Confirmação ou não da existência divina

O resultado dessas investigações admite mais de uma interpretação. Pode-se ver nele a confirmação da existência de Deus. Nesse sentido, a revista católica Kirche in, editada em Viena, cita o neurologista Michael Persinger, da Laurentian University, no Canadá, com as seguintes palavras: "Deus mora em algum lugar entre os lóbulos frontais e temporais". As pessoas que pensam e crêem sempre tiveram certeza "de que a idéia de Deus não surgiu da serragem, assim como as pulgas não se originaram daí". O ser humano, segundo ele, "foi criado por Deus e para voltar-se a Deus."

A capacidade de conceber Deus, mesmo que de forma muito limitada, está baseada na estrutura "tripla" com que o criador nos construiu: personalidade, alma e espírito. Para a revista austríaca, é um paradoxo que as neurociências forneçam cada vez mais indícios e provas da existência divina, justamente numa era de avanço da secularização.

O neurologista indiano Vilayanur Ramachandran, da Universidade da Califórnia, também se destacou por suas pesquisas. Segundo ele, a existência de uma base neurológica para experiências religiosas no cérebro não prova que Deus é um produto da biologia do homem, inexistindo além dos meandros da massa cinzenta. Que as nossas percepções não servem para provar a existência do mundo real já descobriram pesquisas científicas anteriores, e no fundo, Platão e os filósofos gregos já sabiam disso.

Neurologia não vai solucionar enigma

Gehirn von oben
Foto: AP

Outros cientistas também afirmam que as experiências descritas no início deste artigo não servem para comprovar a existência de Deus. O radiologista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, citado numa das publicações, é bastante objetivo ao afirmar que a neurologia não poderá solucionar o enigma sobre se Deus nos criou ou nós inventamos Deus. Mas poderá esclarecer a natureza e o significado das experiências místicas.

A revista católica Missio akutell, editada em Aachen, também comenta o intento de se "localizar a central de comando da crença na nossa massa cinzenta", observando que nem todos os que acreditam em Deus já tiveram algum tipo de percepção extra-sensorial. A publicação reconhece que as técnicas de mapeamento cerebral fornecem provas irrefutáveis "de que a percepção, o pensamento e os sentimentos estão basicamente ligados a certas atividades do cérebro". Mas refuta que tenha se tornado realmente possível perscrutar os mistérios divinos. Afinal, os experimentos apenas comprovam que certas regiões do cérebro entram em atividade durante uma sensação religiosa - nada mais que isso.

Crença em Deus a serviço da evolução?

Bem diferente é a abordagem da revista evangélica Zeitzeichen, de Berlim, que discute a tese de que a religião faz parte da estratégia de sobrevivência da espécie humana. Em outras palavras, que a religião e a crença em Deus tenham sido "programadas" no cérebro do ser humano no transcurso da evolução, para que ele se saia melhor na sua existência, ou consiga impingir uma certa ordem ao caos do mundo material que o rodeia. "A crença em Deus, dessa forma, não passaria de uma vantagem no processo de seleção natural", observa a Zeitzeichen. E que teólogo gostaria de ver a fé fortalecendo a explicação darwinista da evolução?

Na verdade tais pesquisas de antropologia e biologia não dizem absolutamente nada sobre a questão de se é apropriado falar de Deus nesses contextos. Quem crê em um Deus onipotente questionaria a soberba de mortais pretenderem sondar os mistérios divinos. A revista cita o etnólogo Volker Sommer, de Londres, com a lapidar constatação de que "teólogos e cientistas não podem chegar à mesma conclusão na questão de Deus". Com o que, a questão volta ao ponto de partida.