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Por uma Europa plural

Simone de Mello, de Berlim26 de novembro de 2002

Exposição sobre o intercâmbio entre os diversos movimentos de vanguarda da Europa Central e Oriental repensa fronteiras culturais do continente.

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Arquitetura pictórica, de Lajos Kassak, 1924Foto: Haus der Kunst

Tristan Tzara deve ter se identificado com este seu eclético retrato: na tela de 1926 do húngaro Lajos Tihanyi, o guru dadaísta – acompanhado do monóculo, sua marca registrada – é pintado com a liberdade das cores expressionistas, sendo simultaneamente submetido a uma decomposição cubista e a uma colagem dadá. Um fotograma do tcheco Jaromir Funke, criado em 1921 sob inspiração de Man Ray, mais lembra uma paisagem de De Chirico. Numa pintura do mesmo ano, que parece antecipar traços da Nova Objetividade, o russo Ivan Puni apresenta seu "músico sintético" carregando instrumentos aparentemente extraídos de um quadro de Braque ou Picasso: não uma imitação, mas sim uma citação do cubismo sintético.

O modernismo francês e alemão não foi apenas imitado no Leste Europeu, como mostra nitidamente a exposição !Vanguardas!: Arte da Europa Central entre 1910 e 1930, concebida pelo Los Angeles County Museum of Art e apresentada agora em Berlim, no Martin-Gropius-Bau. É com grande jogo de cintura que os artistas de Belgrado, Budapeste, Bucareste, Praga, Varsóvia (entre outras cidades representadas na mostra) sintetizam tradições locais com as novas linguagens pictóricas vindas da França e filtradas por Berlim. Um sinal da euforia com que todos os movimentos modernistas foram assimilados e recriados no Leste Europeu é a tendência de se misturarem – de forma quase maneirista – os trejeitos de todos os "ismos" numa única tela.

Os outros "ismos"

A exposição desloca os limites entre os diferentes movimentos de vanguarda, mostrando a mistura a que foram submetidos na "periferia". O peso de Paris, Moscou e Berlim como centros da vanguarda já foi bem documentado, mas a redescoberta da efervescência modernista em outras cidades européias menores é novidade – pelo menos para o grande público.

Até mais interessante do que reconhecer a transformação das vanguardas da Europa Ocidental em outros espaços culturais é tomar conhecimento dos movimentos artísticos locais surgidos nas três primeiras décadas do século 20 nas regiões a leste do Elba. Apesar de sua tendência universalizante, a arte moderna se distingue pela especificidade local de suas manifestações, surgidas na boêmia dos cafés, na efervescência da urbe e sob a força catalisadora das revistas e exposições. Foi na diversidade dos ambientes urbanos que proliferaram os "ismos".

Com o Ativismo, os húngaros agrupados em torno das revistas A Tet (Ação) e MA (Hoje), inspiradas nas revistas alemãs Die Aktion e Der Sturm, sintetizaram tendências fauvistas, futuristas, cubistas e expressionistas. O gesto revolucionário do grupo de artistas em torno do editor Lajos Kassak não se limitava às artes, fomentando na Hungria os ideais da Revolução Russa. Com a vitória das forças contra-revolucionárias no país, em 1919, os artistas se exilaram em Viena, onde deram continuidade a seus experimentos, até a ascensão do nazismo.

O Artificialismo Tcheco, por sua vez, promovido por Jindrich Styrsky e Toyen (Marie Cerminova) na segunda metade da década de 20, rejeitou as rígidas estruturas geométricas do construtivismo, introduzindo formas orgânicas na composição abstrata e trabalhando com a tinta de forma mais livre, pingando-a ou espirrando-a sobre a tela. Já o Zenitismo, propagado pela revista Zenit, de Zagreb, a partir de 1921, se distanciou do internacionalismo das vanguardas e tentou cultuar o "gênio bárbaro" dos Bálcãs, sendo considerado reacionário por outros movimentos contemporâneos.

Berlim como pólo de irradiação

Stilleben von Sándor Bortnyik, Ausstellung in München: Avantgarde in Mitteleuropa 1910-1930
Natureza morta (composição com abajur), de Sandor Bortnyik, 1923Foto: Haus der Kunst

Até a ascensão do nazismo, Berlim era uma importante plataforma de contato entre as vanguardas dos dois lados do continente. Além da posição geográfica estratégica entre os dois lados do continente, Berlim – com 4 milhões de habitantes em 1920 – já tinha recebido cem mil emigrantes russos, refugiados da Revolução de 1917. Como centro da pintura expressionista e pela proximidade de Weimar e Dessau, as duas primeiras sedes do Bauhaus, Berlim era uma importante referência para os artistas do leste.

A galeria e revista Sturm, fundada em 1910 por Herwarth Walden, não apenas foi a principal propagadora do expressionismo alemão, como também organizou as primeiras exposições representativas com artistas do Leste Europeu. No Primeiro Salão Alemão de Outono, em 1913, a Sturm expôs diversos húngaros, muitos exilados em Berlim desde 1919, após a vitória das forças contra-revolucionárias na Hungria. Muitos deles contribuíram para reforçar a tendência abstrata dentro da galeria Sturm.

Em 1921, El Lissitzky levou o construtivismo para Berlim, encontrando rapidamente aceitação entre os artistas húngaros, entre os quais Lászlo Peri. Na Grande Exposição de Arte de Berlim, em 1928, Lissitzky expôs seu Espaço Prounen (Projekt zur Bejahung des Neuen = Projeto pela Afirmação do Novo), o primeiro environment da arte moderna, que espacializa no ambiente de exposição as formas geométricas conhecidas de sua pintura – uma obra reconstituída pela atual exposição Vanguardas. Na mesma mostra, no final da década de 20, o húngaro Lászlo Peri expôs três relevos de concreto que unem o rigor formal do construtivismo, a dinâmica do futurismo e o experimento intermídia do dadaísmo.

Por um novo mapeamento

Diante da expansão da União Européia para o leste do continente, a exposição Vanguardas adquire uma dimensão política, por mostrar as raízes culturais comuns entre a Alemanha e o Leste Europeu. Após a queda do Muro de Berlim, a Alemanha passou – num primeiro momento – a revisar o presente europeu. Entre outras coisas, passou-se a divulgar através de inúmeras traduções a literatura contemporânea dos países do antigo bloco socialista. No entanto, nesta primeira fase de reaproximação, a ênfase caía sobre a "outra" Europa.

A exposição Vanguardas, por sua vez, resgata tradições comuns, denominando de "Europa Central" o espaço que a Alemanha ainda vê como Europa Oriental. Só é possível se conceber uma "Europa Central", superando a dicotomia leste/oeste e as fronteiras da Guerra Fria (Cortina de Ferro, Muro de Berlim).

Além disso, as vanguardas – excluídas e perseguidas pelo nazismo e pelo estalinismo e "redescobertas" só a posteriori na Alemanha e nos antigos países comunistas – sempre apelaram por uma arte internacional e universal, independentemente de fronteiras nacionais. "A arte tem que se tornar internacional, ou estará fadada à morte", já advertia o manifesto da União Internacional dos Artistas Progressistas, de Düsseldorf, em 1922. Este é justamente o enfoque da exposição Vanguardas, que já enfatiza o pluralismo no título.