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Em Moçambique, Tete é "Eldorado" – do carvão e da inflação

5 de novembro de 2011

Na segunda parte da entrevista à DW, Thomas Selemane, investigador do CIP, diz que megaprojetos – a exemplo da extração de carvão em Tete – pioraram a vida da maioria da população local com aumentos de preços.

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Thomas Selemane, investigador Centro de Integridade Pública (CIP), estudou efeitos da exploração do carvão em Tete para a economia local
Thomas Selemane, investigador Centro de Integridade Pública (CIP), estudou efeitos da exploração do carvão em Tete para a economia localFoto: DW/Johannes Beck

Em setembro de 2011, a empresa brasileira Vale começou a exportação de carvão da bacia de Moatize, na província de Tete (centro-norte de Moçambique). A mina de carvão é considerada uma das maiores de África e preveem-se exportações no valor de milhares de milhões de dólares nas próximas décadas. Para além da Vale, existem na região de Tete outras minas de empresas internacionais, por exemplo da empresa Riversdale, de capitais britânicos e australianos.

Thomas Selemane, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), estudou os efeitos do "boom" de carvão sobre a economia local em Tete. No seu livro, cuja publicação está prevista para este mês de novembro, chegou à conclusão que a população local não ficou mais rica.

Saiba o motivo nesta segunda parte da entrevista conduzida por Johannes Beck, chefe da redação em Língua Portuguesa da DW, com Thomas Selemane, sobre a indústria extrativa em Moçambique (oiça o áudio no link abaixo).

Deutsche Welle: A mina de carvão em Tete beneficou a população local?

Thomas Selemane: A população local não beneficiou do investimento e acho que não era suposto, agora, em 2011, a população local [já] beneficiar do investimento. Mas há outras questões fora do benefício direto do investimento que poderiam ter sido feitas de maneira melhor e que não foram.

Em outubro, Selemane foi o convidado especial da reunião anual do Comité Coordenador Moçambique Alemanha – Koordinierungskreis Mosambik (KKM)
Em outubro, Selemane foi o convidado especial da reunião anual do Comité Coordenador Moçambique Alemanha – Koordinierungskreis Mosambik (KKM)Foto: DW/Johannes Beck

Por exemplo: a implantação do projeto implicou a transferência de pessoas da região onde a mina foi feita para uma outra região. Isso foi feito pela empresa, mas sempre com aval do governo e com autorização do governo. Eu tenho informações, no estudo que fiz, que a empresa tinha proposto dez locais possíveis para onde as pessoas podiam ser transferidas. E o governo escolheu um dos dez.

Curiosamente, o governo escolheu um local que é mais distante da cidade – 40 km – que tem menos possibilidade de produção agrícola. A produção agrícola baixou, outras famílias simplesmente ficaram sem espaço para produzir porque o solo é demasiado pedregoso. Ficaram sem condições de criação de gado porque, em Tete, grande parte da população cria gado, tem cabritos, tem bois.

Foram postas numa zona sem rio perto – a água é abastecida com um sistema de tanques. Ficou uma situação fora da discussão dos benefícios do investimento – que pode vir daqui a algum tempo. Mas, agora, a situação poderia ter sido feita de melhor forma e não foi. Isso gerou também – e gera até agora – uma onda de descontentamento muito grande por parte da população local.

DW: O senhor estudou os efeitos, em Tete, dos investimentos das companhias que extraem ou vão extrair carvão na província. Em termos de aumento dos preços, o senhor notou uma subida dramática dos preços locais. Pode nos dar alguns exemplos de como o investimento estrangeiro direto afetou a vida e os preços em Tete?

TS: Acho que este é o elemento mais evidente e o que as pessoas, mais diretamente, sentem: a subida do nível geral de preços. Por exemplo, em 2007, na altura em que os megaprojetos foram para Tete, um cabrito vivo custava entre 250 e 400 meticais [entre 9 e 15 dólares]. Hoje, chega a custar 2 mil meticais [74 dólares].

Outro exemplo: havia duas agências bancárias [em Tete] em 2007. Hoje, há 19 agências bancárias. Havia mais acesso aos serviços bancários em 2007, quando havia só duas agências. Agora, o acesso, apesar de haver muitos bancos, o acesso é extremamente difícil. Há longas filas porque o aumento do número de clientes foi extremamente superior ao aumento do nível dos serviços bancários.

A questão dos preços é extremamente grave para todas as outras pessoas que não trabalham nos megaprojetos. Para os funcionários públicos, professores, enfermeiros, polícias etc., a vida em Tete é extremamente insuportável porque os preços atualmente são feitos contando com o salário das pessoas que trabalham na Vale, na Riversdale.

Para se ter uma ideia, um quarto padrão de um hotel de três estrelas – que é o máximo que existe neste momento em Tete – custa igual a um quarto padrão de um hotel cinco estrelas em Maputo [a capital]. E o serviço é fora do comparável. Então, com a presença dos megaprojetos, para o grosso da população, a vida piorou.

DW: Nem toda a gente vive num hotel – mas será que o preço dos apartamentos normais, ou de casas normais, também aumentou tanto quanto em Angola, por exemplo, onde se viveu um "boom" petrolífero e onde se notou um aumento vertiginoso, até, dos preços de terrenos, casas e apartamentos em Luanda. Será o caso, também, de Tete?

TS: Sim, é o caso de Tete também. Este é um dos dados que nós procuramos analisar no período do estudo (2007 a 2011). Por exemplo, um apartamento tipo três, a renda custava entre 300 e 400 dólares [mensais] em 2007. São as casas “top” do centro da cidade, as melhores.

As mesmas, hoje, custam entre 3.500 a 5 mil dólares. Quer dizer, um aumento de dez vezes, por aí. E esses preços, 5 mil dólares, é o que se pode pagar por uma renda mensal na zona nobre de Maputo. Então, há uma diferença muito grande de nível de preços de 2007 para hoje.

A comida também é muito mais cara em Tete do que em Maputo e outras partes de Moçambique.

DW: Então, em vez de ficarem mais ricas com essa extração de carvão, as pessoas que não trabalham na Vale ou na Riversdale, ficaram mais pobres?

TS: Sim, ficaram mais pobres e a vida ficou mais difícil ainda. Porque, mesmo para os vendedores e os fornecedores de bens e serviços, apesar de terem aumentado os preços desta maneira, a vida deles não ficou melhor. Porque todo o resto da economia também aumentou. Aumentou o preço da comida, o preço do transporte, o preço dos combustíveis, o aluguel das casas, da roupa etc.

Então, se há alguém que opera, por exemplo, no negócio da batata ou dos frangos, aumentaram os preços. Mas depois, se querem comprar pão, óleo ou açúcar, também aumentaram [os preços destes produtos]. É uma situação pior do que antes – geral, para todos –, mas não muito pior para aqueles que trabalham nos projetos porque estes têm até subsídios de alimentação da própria empresa e recebem salários muito mais altos do que o resto dos trabalhadores dos outros setores.

DW: Se estamos a falar da transparência na indústria extrativa, Moçambique não conseguiu cumprir com os critérios de adesão à Iniciativa por uma maior Transparência nas Indústrias Extrativas – ITIE. O que, no seu ponto de vista, falta para Moçambique para cumprir com esses requisitos da ITIE?

TS: O governo diz que o país não foi chumbado porque não existe esta categoria. Mas, a verdade é que o país não passou [na iniciativa]. Para não dizer que foi chumbado, podemos dizer que não foi admitido. Acho que é igual!

O país não foi admitido porque não incluiu no processo da iniciativa todas as agências do governo que recebem dinheiro das empresas da indústria extrativa.

Um caso concreto: o Instituto Nacional de Petróleos recebe muitos milhões de dólares de empresas que fazem prospeção de petróleo. Não há nenhum processo de prestação de contas desse dinheiro. As empresas que pagam esse dinheiro gostariam de saber; os cidadãos gostariam de saber o que é feito desse dinheiro. E isso não aconteceu.

Há uma falta de inclusão, também, de todas as empresas que operam no setor extrativo – havia inicialmente uma lista de 23 empresas, que foi reduzida para seis.

DW: Portanto, todas as empresas, independentemente do nível das suas receitas, deveriam estar dentro da análise e das publicações das contas para a ITIE?

TS: Sim, o princípio básico, o princípio elementar que nunca foi entendido pelo governo, é que a iniciativa deve ser o mais abrangente possível. Tem que incluir todas as empresas que operam no país e todas as agências do governo que recebem benefícios das empresas – seja em espécie ou em dinheiro. Isso não foi feito.

O país não foi admitido, em parte, por causa deste indicador. E agora estamos onde estamos – não fomos admitidos.