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Leni Riefenstahl: um enigma faz 100 anos

Augusto Valente22 de agosto de 2002

Ao completar o centenário nesta quinta-feira (22), ela é a diretora mais bem-sucedida da Alemanha, além de ser a mais idosa em atividade, em todo o mundo. Isso, apesar de haver realizado apenas sete filmes.

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Leni Riefenstahl em junho de 2001, em São PetersburgoFoto: AP

Um Triunfo da Vontade? Leni Riefenstahl sobreviveu vitoriosamente aos avatares de atriz, fotógrafa, bailarina, montanhista e esquiadora, cineasta do Terceiro Reich, amiga do Führer, indiciada pelos tribunais do pós-guerra, proscrita, monstro de inconsciência política e persona non grata, passando a gênio da estética cinematográfica, mergulhadora e superstar da mídia. E consegue agora alcançar os 100 anos de idade ainda ativa como diretora: Riefenstahl parece tão eterna quanto o aço (Stahl) em seu nome, as montanhas de sua juventude, ou os mares onde agora mergulha.

Após sete décadas de atividade cinematográfica, ela permanece uma figura enigmática. Trata-se de uma artista na acepção da palavra, uma verdadeira apaixonada pela beleza e pela aventura? Uma personagem apolitica, infinitamente ingênua? Ou uma oportunista, a maior cínica que o céu já cobriu? Aparentemente, em seu universo ético particular, a beleza é um álibi absoluto e aplaina todas as contradições. Acima de tudo: será que ela mesma acredita nas histórias que conta – a exemplo do destino dos figurantes ciganos em um seu filme Tiefland (Planície), de 1940-1942?

Da mesma forma desconcertante, Riefenstahl defendeu com relativo sucesso seu status de artista autônoma durante os processos pela colaboração com o regime nazista. Quanto aos cinco filmes de propaganda que realizou – o primeiro, Der Sieg des Glaubens (A vitória da fé), de 1933 –, eles haveriam sido feitos "sob coação". E, no entanto, de um ponto de vista meramente estético, nada tendo a ver com política, alegou. Com essa argumentação tortuosa, que mantém até hoje, ela conseguiu recuperar dos aliados parte de suas obras banidas, inclusive os esteticamente revolucionários filmes sobre as Olimpíadas de 1936: Festa da beleza e Festa dos povos.

Ao mesmo tempo, Leni jamais negou sua fascinação inicial por Adolf Hitler, que segundo ela irradiava "uma tremenda força hipnótica". No entanto, afirma jamais haver se filiado ao NSDAP e, já durante a guerra, ter-se distanciado do Führer. A convicção da própria inocência levou-a até a processar seus detratores, segundo ela movidos "por inveja e ódio", tanto por sua fama internacional como pelo fato de ser mulher.

Ainda assim, referindo-se a Triumph des Willens (Triunfo da vontade, 1935), declarou certa vez, num raro momento de auto-reflexão: "Ele lança uma tal sombra sobre a minha vida, que a morte será uma bendita libertação". Mesmo aqui: mártir sim, culpada, jamais.

Festa da Alienação?

Num capítulo central da biografia da cineasta – lançada pontualmente por ocasião de seu centenário – Jürgen Trimborn descreve de forma detalhada e cáustica o "Renascimento Riefenstahl" dos últimos anos. O especialista em história do cinema, de 31 anos, aponta a tendência de retirar do contexto político os filmes realizados pela diretora durante o regime nazista, e de vê-los como expressões estéticas autônomas do mais alto gabarito. Sem maior questionamento, fotógrafos, publicitários e diretores contemporâneos citam suas imagens, e músicos utilizam nos shows certos elementos da estética Riefenstahl.

Trimborn dá exemplos concretos. Segundo ele, haveria no desenho animado de 1995 O rei dos leões, dos Estúdios Disney, alusões inconfundíveis à película Triumph des Willens, de propaganda para o partido de Hitler. Este seria também o modelo para os soldados em marcha do videoclip HiStory, de Michael Jackson. Além disso, no livro Propagandistin oder Künstlerin?, de 1999, a feminista alemã Alice Schwarzer faz uma verdadeira apologia da cineasta, pintando-a como vítima de uma "caça às bruxas", a partir de 1945.

O autor da biografia Eine deutsche Karriere (Uma carreira alemã) acusa a falta cada vez maior de uma avaliação crítica da vida de Riefenstahl, "quer por resignação diante de sua incapacidade de aceitar críticas, quer simplesmente em respeito a sua idade excepcionalmente avançada e vitalidade inabalável". Desta forma, "é aplainado o caminho para a renascença e reabilitação de Riefenstahl", alerta Trimborn. Somente conhecendo as contradições de sua biografia pode-se evitar uma capitulação acrítica diante do "poder das imagens" e impedir que "o fascínio de Leni Riefenstahl ganhe mais peso do que os fatos históricos e biográficos".

A presente publicação tem 600 páginas, o dobro de Die Verführung des Talents (A sedução do talento, 2000), de Rainer Rother. Mais do que a anterior, ela definitivamente contribui com novos fatos para o perfil da artista auto-intitulada "apolítica". Assim, ficamos sabendo de um projeto secreto, sob ordens diretas de Hitler, em que uma equipe sob o comando da cineasta registrou o início da invasão da Polônia, em setembro de 1939. Um documento confidencial do Ministério da Propaganda fala especificamente da "tropa especial cinematográfica Riefenstahl". Estes registros da campanha militar não sobreviveram à guerra e jamais foram mencionados pela diretora.

Vitória da Versatilidade?

A luta foi sempre uma fonte de força para Leni Riefenstahl. A carreira como dançarina de ausdruckstanz, a dança expressiva, começou à revelia do pai, um bombeiro hidráulico de Berlim, encerrando-se já em 1925, devido a um acidente. Mas em breve ela estrelava, com sucesso, uma série de filmes de aventuras nas montanhas. A jovem atriz incorporava o novo tipo da mulher alemã: femme fatale sem maquiagem, antes atleta do que socialite. Foi nesse papel que atraiu a atenção de Hitler.

Sua capacidade de ultrapassar obstáculos é mais uma vez posta à prova na década de 60. Condenada ao ostracismo cinematográfico pelos serviços prestados ao nazismo, ela renasce das cinzas como fotógrafa de animais e povos "primitivos". Também aqui alcança grande sucesso, mesmo à custa de algumas fraturas. Atualmente Riefenstahl é, além de cineasta esporádica e alta-sacerdotisa do próprio culto, a mergulhadora mais idosa do mundo, uma paixão registrada em seu documentário Impressionen unter Wasser (Impressões subaquáticas), de 2002.

Leni considera o descanso a coisa mais terrível que existe. Entre seus projetos para o futuro ("Com 100 anos não se deve ser ambiciosa demais!"), está rodar um filme sobre o pintor holandês Vincent van Gogh (1853–1890). "Não quero dormir demais. Ainda há tantas coisas que quero fazer!"