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África

27 de setembro de 2010

Durante séculos, os destinos da África estiveram nas mãos de interesses alheios ao continente. Hoje, EUA e França prometem renovar relações com as nações africanas.

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Cooperação com a União Africana é meta dos EUA e da França

No período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo que as principais potências mundiais advogavam em prol da independência dos países africanos, eles a minavam. Com a Guerra Fria, as duas grandes superpotências – EUA e URSS – manipularam a libertação do continente africano de acordo com seus próprios interesses.

Desde então, antigas potências imperiais, como a França, vêm conduzindo uma política oculta, que transforma as antigas colônias em protetorados de fato. Embora a independência africana exista no papel, na realidade, a sorte do continente ainda é decidida nas capitais europeias e norte-americanas.

As consequências deste neocolonialismo são amplas. Em um continente politicamente conduzido por estrangeiros, as fronteiras nacionais não correspondem, com frequência, àquelas que constam dos mapas.

Muitos Estados africanos, delineados na mente de um europeu, não podem manter sua legitimidade sem contrariar interesses de seus habitantes originários. Alguns desses Estados estão completamente falidos, com uma autoridade governamental que frequentemente não vale nada para além dos limites de sua capital.

Essa instabilidade gerou estruturas criminosas transnacionais e o terrorismo, que põem em risco a segurança global. Diante disso, os Estados Unidos e a França deram início a uma estratégia voltada para estabilizar o continente, em forma de apoio às instituições africanas, no lugar de miná-las. No século 21, a unidade africana – e não a divisão do continente – está a serviço das potências mundiais.

Rumo ao caos

Com a derrocada da União Soviética, os princípios da política norte-americana para a África se tornaram obsoletos. Washington não precisava mais cultivar alianças com os países africanos a fim de conter a influência de Moscou no continente. Resultado: os EUA começaram a focar na ajuda humanitária seu envolvimento na África.

No entanto, uma política guiada por questões humanitárias mostrou-se insustentável depois da mal-sucedida intervenção na Somália em 1993, durante a qual 18 soldados norte-americanos morreram. Washington então recuou, mantendo-se indiferente aos problemas africanos, até mesmo ao genocídio em Ruanda.

"Depois da Guerra Fria, pode-se dizer que a África esteve basicamente muito em baixa e isso foi fortemente refletido na administração Clinton", diz Roland Marchal, especialista em questões africanas do Centro de Estudos Internacionais e Pesquisa do SciencesPo, em Paris. "Para a União Europeia, a situação nunca foi assim, devido ao passado colonial", diz.

A França perpetuou uma relação neocolonial com as regiões francófonas do continente – denominadas Francáfrica. Paris cultivou um acordo de contrapartida com suas antigas colônias, dando apoio militar a regimes questionáveis em troca de interesses econômicos.

Como tanto os EUA quanto a França tendem a defender seus próprios interesses, muitos Estados africanos descarrilaram. Enquanto isso, o mundo levantava o dedo, acusando países como Sierra Leone, Libéria, Somália e Congo, assolados pela violência.

Parcerias com a África

Somalia Mogadischu US Militär 1992
Soldados norte-americanos na Somália, em 1992Foto: AP

Os EUA receberam um alerta em 1998, quando o Al-Qaeda jogou bombas nas embaixadas do país no Quênia e na Tanzânia. A ligação entre o colapso estatal na África e a segurança internacional começou a ficar clara. E o 11 de Setembro salientou o alcance global das organizações terroristas transnacionais que se refugiam em Estados falidos.

"Observando a política norte-americana em todos os níveis, eu diria que a África ainda continua uma das prioridades menores entre todas as regiões do planeta. O continente cresceu de certa forma em importância por causa da crescente importação de petróleo dos países africanos por parte dos EUA. E em segundo lugar por causa do combate ao terrorismo. Isso foi o que claramente elevou o grau de interesse norte-americano pelo continente", afirmou à Deutsche Welle David Shinn, ex-embaixador norte-americano na Etiópia e em Burkina Fasso.

Em consequência disso, os EUA voltaram a se empenhar no continente, começando pelos treinamentos militares no leste e oeste africanos, a fim de combater organizações terroristas que supostamente mantêm ligações com o Al-Qaeda. Em 2007, Washington estabeleceu um comando militar especial para o continente, chamado Africom, destinado a enfatizar estratégias de desenvolvimento e diplomacia, além da cooperação militar.

"Houve muitas suspeitas envolvendo o Africom quando ele foi iniciado", disse à Deutsche Welle Richard Downie, especialista em questões subsaarianas do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais. "Havia preocupações por causa da experiência colonial. Tinham medo de que as tropas em seu solo representariam uma espécie de experiência neocolonial. Acho que foi necessária uma boa dose de persuasão para convencer os africanos de que o Africom não é uma ameaça, mas algo que pode beneficiar", completa Downie.

Diversificação de interesses

Enquanto a estratégia norte-americana era a de encontrar novos rumos, muitos franceses já haviam reconhecido que a política baseada nos antigos vínculos coloniais não faz mais sentido em um mundo repleto de economias emergentes. Paris estendeu seu engajamento para além de suas ex-colônias na África e adotou uma abordagem multilateral, que inclui também as ex-colônias inglesas na África, bem como seus parceiros europeus.

"Há uma diversificação de interesses em curso", observa em entrevista à Deutsche Welle Tobias Koepf, doutorando do Departamento de Oriente Médio e Pesquisa Africana do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança. "A França é menos voltada para as ligações históricas do que para os interesses econômicos".

Como a França está modernizando seu engajamento econômico na África, aumenta também seu interesse pela estabilidade de longo prazo do continente. Segundo Koepf, Paris começou a cerrar fileiras com Washington no que diz respeito à abordagem do terrorismo, particularmente contra organizações como o Al-Qaeda nos países islâmicos do Magreb e Al-Shabab (AQIM), no sul da Somália. Cidadãos franceses têm sido frequentemente alvo do AQIM nos últimos meses, em uma clara provocação em resposta ao fato de Paris ter declarado guerra ao grupo.

Symbolbild Wahlen Sudan
Democracias no continente ainda são frágeis

A França e os EUA estão agora trabalhando através de instituições multilaterais como a União Africana (UA), em vez de tentar persuadir de forma unilateral os países africanos em prol dos interesses próprios e manter ligações bilaterais que desencadeiam consequências indesejadas. Eles estão auxiliando a UA a estabelecer uma força com 10 mil soldados, que dará à África a capacidade de resolver suas crises por iniciativa própria.

Novas armadilhas

Embora os EUA e a França estejam modernizando suas políticas para a África, a crescente ênfase na cooperação com os militares africanos poderá levar a novas ciladas.

"O problema é que quando você quer implementar essa política você entende que, como civil, não tem dinheiro; mas, quando usa o componente militar, você tem o dinheiro", diz Marchal. "O balanço entre as atividades civis e militares não têm sido levado muito a sério", completa.

Mas um foco exacerbado na segurança poderia colocar em risco as instituições civis que os EUA e a França clamam apoiar. Os líderes africanos poderiam usar a segurança – e o combate ao terrorismo, por exemplo – como desculpa para cercear as liberdades civis, abusando do poder executivo às custas de uma democracia frágil. Isso significaria uma volta às políticas irresponsáveis e exploradoras do passado.

"Com todas as conversas sobre a formação de instituições e da democracia, a imagem de uma África democrática não é tão positiva como era no início do milênio", analisa Downie. "As prioridades de segurança tendem a sobrepujar as prioridades democráticas. Você vê algumas tendências negativas, no momento, em alguns países como a Etiópia, onde as eleições foram consideravelmente desastrosas. Veremos se os EUA e a França irão colocar o dinheiro deles lá da mesma forma que abrem a boca para falar de democracia ou se suas palavras terão sido da boca para fora", termina Downie.

Autor: Spencer Kimball (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer