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'Vida segue adiante'

6 de agosto de 2010

Há 65 anos, os EUA lançavam uma bomba atômica sobre a cidade para forçar a capitulação japonesa. Três dias mais tarde, era destruída Nagasaki. Um padre alemão conta sobre a explosão de Hiroshima e o horror que se seguiu.

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Cerimônia pelos 65 anos da bomba sobre HiroshimaFoto: AP

Nesta sexta-feira (06/08), o Japão recorda os 65 anos da explosão atômica sobre Hiroshima. Pela primeira vez, a cerimônia contou com a presença de um diplomata dos Estados Unidos, país responsável pela destruição daquela cidade insular e, três dias mais tarde, de Nagasaki. Os ataques forçaram a capitulação japonesa e se tornaram marcos para o fim da Segunda Guerra Mundial.

Ao lado de representantes de 70 países, também esteve em Hiroshima o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Ele aproveitou a oportunidade para pleitear pelo desarmamento atômico global, propondo o fim de todos os testes nucleares a partir de 2012.

O embaixador norte-americano John Roos declarou ser preciso trabalhar "por um mundo sem armas nucleares", "pelo amor das gerações futuras". É preciso garantir que um conflito atômico jamais se repita, insistiu. O premiê japonês, Naoto Kan, saudou a presença de Ban e de Roos.

Japan Jahrestag Hiroshima John Roos USA Flash-Galerie
Embaixador dos EUA John Roos (e) ao lado do prefeito de Hiroshima, Tadatoshi AkibaFoto: AP

Testemunho de um sobrevivente

O 6 de agosto de 1945 foi um dia quente em Hiroshima, já cedo de manhã a temperatura era de 30ºC à sombra. O padre alemão Klaus Luhmer andava pelo jardim do noviciado dos jesuítas, num subúrbio daquela cidade japonesa, rezando o seu breviário. Natural da cidade de Colônia, ele fora enviado ao Japão alguns anos antes como missionário.

Súbito aguçou os ouvidos: às 8:14h ele escutou, primeiro, o ruído de um bombardeiro B29. "E aí apareceu, coisa que não entendi, de forma alguma: mais brilhante do que o sol, uma espécie de meia-esfera, pareceu-me. E me veio instintivamente a ideia de que fosse uma bomba normal, que explodira atrás do morro mais próximo."

Pater Klaus Luhmer
Padre Klaus Luhmer, sobrevivente da explosãoFoto: Pater Klaus Luhmer

Mas o que o padre vira naquela manhã não era uma explosão comum, e sim a detonação da bomba atômica sobre o centro de Hiroshima, a quatro quilômetros de distância. Luhmer procurou cobertura no jardim, desceu apressado os degraus que levavam ao porão da casa, salvando-se no último momento.

"Quando vi esse brilho ofuscante, uma onda de calor passou sobre mim. E a onda de choque. A casa tremeu e balançou, três quartos das telhas caíram como uma chuva e os vidros de todas as janelas se quebraram", recorda.

Chuva negra

Tentando entender o que ocorrera, o jesuíta subiu o morro atrás do noviciado, de onde viu que toda Hiroshima estava em chamas. E observou outra coisa: "O céu estava claro. Mas de repente vieram nuvens negras e começou a chover. E era uma chuva preta, estava impregnada da cinza."

Pouco depois, Luhmer retornou à casa. As primeiras vítimas já haviam se arrastado para fora da cidade: a pele lhes pendia dos ossos, como trapos, o tecido da roupa de alguns havia derretido, fundindo-se com a pele. Os padres transformaram uma mesa de refeições em maca e começaram a tratar dos feridos. Eles ainda não tinham ideia do que acontecera, só sabiam que era necessário ajudar.

Alguns foram até a cidade, onde se depararam com um quadro inimaginável: hordas de flagelados vinham a seu encontro, havia incêndios por todos os lados, casas e edifícios desmoronados, entre os destroços, inúmeros mortos e feridos.

"Havia 30, 40 soldados uniformizados, meio queimados. Eles não gritavam, nem mesmo gemiam, só diziam 'Misu, misu', quer dizer: 'Água, água'. Nós conseguimos ajudá-los, pois por perto havia um poço, lhes demos água."

O padre Luhmer interrompe a narrativa, sua voz fica mais forte. "Mas uma pessoa sozinha, o que pode fazer? Seria preciso dezenas, centenas, centenas de mãos para transportar os mais necessitados."

Flash-Galerie 65. Jahrestag Hiroshima
A cidade destruída, um mês depoisFoto: AP

O horror depois

Os ajudantes trabalharam na cidade destroçada durante dois dias, até que as Forças Armadas japonesas fecharam Hiroshima hermeticamente e enviaram soldados à cidade. "Sua missão era retirar das ruínas os cadáveres que encontrassem, atirá-los num grande monte, jogar gasolina por cima e atear fogo. Foi o que sobrou das pessoas, elas foram dadas como desaparecidas."

Exaustos, os jesuítas retornaram em 8 de agosto para casa, mas o horror não chegara ao fim. Uma menina a que Luhmer dava aulas de piano estava à sua espera: seu pai havia morrido, ela lhe pediu que cuidasse da incineração. A fim de poupar desta tarefa a esposa do morto, ele reuniu palha e madeira para a pira fúnebre.

"E foi um mau cheiro horrível, jamais vou esquecer. Não sei como explicar a alguém o que foi incinerar esse cadáver totalmente contaminado de radiação." O religioso se interrompe mais uma vez, sua voz fica baixa, soa quase espantada: "Mas você fica incrivelmente calejado com essas coisas todas. E a forma como as pessoas se recuperam após uma catástrofe dessas: essa é uma história fascinante sobre a vida humana. Ela segue adiante, adiante, sempre adiante."

Autor: Silke Ballweg / A. Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer