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Mercado latino-americano

26 de março de 2010

Com 22 países, a América Latina é um mercado comercial atraente. Empresas espanholas têm lucrado mais no subcontinente do que na própria Espanha.

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Banco Santander: presença na América Latina foi motor da expansão global do grupoFoto: AP

A empresa espanhola Acciona está construindo em Oaxaca, no México, o Eurus. Com 250,5 megawatts de potência, é o maior parque eólico da América Latina e o maior projeto já realizado pelo grupo ibérico, que atua nos ramos de construção, serviços e energia.

Divulgado durante o Fórum Global de Energias Renováveis realizado no México em 2009, o projeto do Eurus é apenas uma das notícias em destaque relacionadas às rentáveis atividades empresariais da Espanha na América Latina.

Desde a entrada da Espanha na União Europeia (UE), em 1986, com a ajuda do ex-chanceler alemão Helmut Kohl, as atividades internacionais das empresas espanholas têm crescido vertiginosamente, e país conseguiu sair do isolamento político, econômico e cultural após décadas de ditadura franquista (1939-1975).

Em 1985, os investimentos de empresas espanholas no exterior correspondiam a somente 0,85% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. No final de 2009, alcançaram 37% do PIB, sendo a maior parte na América Latina, disse Esteban García-Canal, professor da Universidade de Oviedo, na Espanha.

Por que na América Latina?

Para o professor Ramón Casilda Béjar, da Universidade de Alcalá, em Madri, uma das razões que tornaram o mercado latino-americano especialmente cobiçado pelos espanhóis foi a percepção, surgida na década de 1990, de que vários países eram economias emergentes.

Mas não foi só isso, ressalta Béjar: "Um determinante essencial é a vantagem proveniente de uma comunidade cultural compartilhada, fruto do idioma comum. Esse recurso permite transitar num mercado de 450 milhões de pessoas e adaptar com rapidez produtos, tecnologia e modalidades de gestão."

Além de professor universitário, Béjar é autor do livro La década dorada. Economía e inversiones españolas en América Latina 1990-2000 e também consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O potencial populacional da América Latina foi visto com uma solução para o "funil demográfico" da Espanha, principalmente pelos setores bancários e de telecomunicações. "A ideia era impulsionar rapidamente as vendas no exterior para compensar a saturação do mercado nacional, o que estava ligado à necessidade de alcançar um tamanho suficiente que garantisse a sobrevivência em mercados cada vez mais competitivos e globalizados."

Assim, o especialista não vê o mercado latino-americano como uma simples válvula de escape, mas como uma "estrutura necessária para o desenvolvimento empresarial dentro e fora das fronteiras" da Espanha. Durante a década de 1990, as empresas espanholas investiram mais de 97 bilhões de dólares na América Latina.

Lugar para obter experiência

A expansão e a internacionalização das empresas espanholas só foi possível porque elas encontraram na América Latina o lugar ideal para crescer, diz García-Canal. "A orientação para a América Latina foi importante não só por causa dos lucros lá obtidos, mas também por possibilitar aos empresários espanhóis a aquisição da experiência internacional que não tinham", analisa.

A América Latina serviu, portanto, não apenas como mercado de vendas, mas também como escola e laboratório de experiências, o que permitiu aos empresários espanhóis adquirir a destreza para conquistar, a partir dali, outras regiões do mundo.

Por isso os espanhóis veem com bons olhos o fato de a sua economia ser voltada para a América Latina, diz García-Canal: "O balanço é muito positivo. A atual força empresarial da Espanha seria impossível sem a presença e a experiência conquistadas na América Latina. A via do crescimento econômico passa pela competitividade".

Multinacionais espanholas

A presença de empresas espanholas na América Latina permitiu que muitas delas se convertessem em multinacionais. É o caso do Banco Santander, que graças ao seu desenvolvimento na América Latina pôde expandir-se para os Estados Unidos e o resto da Europa, convertendo-se num banco com presença e operações globais. "Os ganhos das empresas espanholas na América Latina representam atualmente entre 20% e 50% de seus lucros", diz García-Canal.

Entretanto, nem tudo tem sido fácil para as empresas espanholas. Instabilidade macroeconômica e insegurança jurídica estão entre os principais problemas enfrentados ao longo das duas últimas décadas. "Desde a 'crise da tequila' de 1994 no México até o chamado corralito em 2001 na Argentina, que desvalorizou a moeda do país em 30%", precisa García-Canal.

Mudança das regras

Outro problema mencionado pelo professor são as entidades reguladoras e situação dos custos e da competitividade locais, que em alguns países mudam depois que os investimentos já foram feitos. "Os casos da Bolívia e do Venezuela são notáveis. Isso têm obrigado as empresas a abandonar suas operações na América Latina, como a Aguas de Barcelona, por exemplo, que saiu por causa da baixa rentabilidade", diz o professor.

Não apenas a afinidade cultural e as conexões políticas levaram o empresariado espanhol à América hispânica. Para o especialista da Universidade de Oviedo, outro motivo importante é que "ali não havia fortes competidores".

Nas décadas de 1980 e 1990, os grupos empreendedores espanhóis eram, de fato, mais competitivos na América Latina do que em outros lugares, visto que nem norte-americanos nem os demais europeus ofereciam os serviços providos pelos espanhóis. Isso vale principalmente para os setores bancários e de infraestrutura.

À frente dos norte-americanos

O êxito espanhol na América Latina também está ligado ao "desenvolvimentismo", ou seja, à veloz construção de uma infraestrutura moderna. A partir da segunda metade de década de 1980, a economia espanhola adquiriu uma valiosa experiência em gestão empresarial.

A empresa Telefónica, por exemplo, estava acostumada a atender eficientemente as necessidades dos clientes, enquanto as redes de telecomunicação dos Estados Unidos, apesar de mais antigas, eram antiquadas e pouco competitivas.

"Dessa forma, a modernidade das empresas espanholas se transformou em vantagem, assim como a experiência no desenvolvimento de projetos de infraestrutura aplicados pouco tempo antes na própria Espanha", afirma Esteban García-Canal. Hoje, empresas de outros países da UE procuram parcerias com as espanholas para entrar nos mercados latino-americanos.

Tábua de salvação no passado e no presente

Como no século 17, a América Latina voltou a ser o motor econômico da Espanha. "A América Latina será, nos próximos anos, novamente a fonte de recuperação da Espanha", disse o empresário Sergi Aranda, gerente do Grupo Gas Natural para a região, à revista The Economist em abril de 2009.

A mesma edição indica que, após uma década de auge, a economia espanhola se encontra diante de sérias dificuldades. Os obstáculos, contudo, poderiam ser maiores não fosse a estabilidade do sistema financeiro da América Latina.

Segundo a revista, em plena crise global, com 19% de taxa de desemprego, a Espanha tem o dobro da média da UE. O Fundo Monetário Internacional (FMI) espera uma contração de 3% da economia espanhola em 2009 e de 0,7% em 2010. Pior que isso: a UE prevê em 2010 para a Espanha um déficit fiscal de 5,7%, bem acima do limite de 3% fixado no Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Autor: José Ospina-Valencia (eh)
Revisão: Roselaine Wandscheer