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Partido Pirata

8 de janeiro de 2010

"Democracia interativa" é o que os piratas querem com software que garantirá direito de voz dos filiados. Apesar de trajetória meteórica, Partido Pirata ainda não tem posição definida no espectro de esquerda-direita.

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Adeptos do Partido Pirata protestam contra medidas de vigilância estatal em BerlimFoto: AP

O desafio das agremiações que surgem com ideais de democracia de base é mantê-los quando sua estrutura cresce tanto a ponto de inviabilizar a consulta direta de seus membros no processo de decisão.

O Partido Pirata alemão, fundado em 2006 de acordo com o modelo sueco criado no mesmo ano, está experimentando novas formas de "democracia interativa", a fim de dar conta de seu crescente número de adeptos e filiados, atraídos ao partido sobretudo após seu sucesso nas eleições alemãs e europeias de 2009.

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'Piratas' comemoram êxito nas eleições parlamentares de setembro de 2009Foto: AP

Democracia líquida

"Liquid Feedback" é o nome do software que começou a ser testado esta semana pela sede berlinense dos piratas. A ideia é possibilitar que cada filiado possa interferir no processo de decisão partidária, participando das discussões, elaboração e votação de propostas.

Quem apresentar uma sugestão pode submetê-la à apreciação de seus correligionários; o programa de computador a ser adquirido gratuitamente também permite ao mentor da proposta compilar as críticas e verificar quais eventuais alterações lhe trariam maior ou menor apoio. Todas as opiniões são processadas e disponibilizadas no sistema de feedback.

"Desde as eleições europeias, o Partido Pirata aumentou espantosamente seu número de adeptos", explicou à imprensa alemã Andreas Nitsche, coinventor do software. "Isso sobrecarregou nossas estruturas e nos levou a pensar como manter o espírito do partido e evitar fossilização, hierarquia e exclusão das pessoas do discurso partidário."

Ao ser fundado, em setembro de 2006, o Partido Pirata alemão tinha 870 membros; hoje são quase 10 mil. "Com a introdução do Liquid Feedback", esclarece Nitsche, "asseguramos aquilo que é considerado um privilégio dos pequenos partidos: um discurso interno sempre aberto e um sistema de votação que permita a participação de todos na discussão das propostas apresentadas."

O software liberado com licença do MIT deverá ser introduzido nas demais sede do partido, que já tem representações em todos os estados alemães. A longo prazo, no entanto, expandir esse experimento para processos de decisão mais representativos poderá entrar em conflito com o direito partidário alemão. Afinal, o sistema não permite resguardar o sigilo eleitoral, apenas driblando-o ao autorizar o uso de pseudônimos.

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Material de propaganda dos piratas para as eleições parlamentaresFoto: picture-alliance / dpa

Proteção de dados e pirataria da informação

A notoriedade do Partido Pirata também se propaga em velocidade digital. Nas últimas eleições europeias, o Piratpartiet teve uma votação de 7,4% na Suíça, conquistando uma cadeira no Parlamento Europeu. Na Alemanha, conseguiu quase 230 mil votos, o que representa 0,9% dos eleitores participantes do pleito europeu. Nas últimas eleições parlamentares alemãs, os piratas computaram aproximadamente 2% da votação de todo o país, ou seja, quase 850 mil eleitores.

Talvez o sucesso provenha da simplicidade da proposta do partido, considerado por muitos um grêmio "monotemático". O nome do partido deriva da prática criminalizada como "pirataria": a apropriação e o consumo indevido de obras protegidas pelos direitos autorais. E de fato, o livre trânsito de informações, sem qualquer tipo de impedimento e de censura, é uma das principais causas dos piratas, com grande apelo entre uma geração digitalizada.

"As atuais determinações jurídicas no âmbito dos direitos autorais limitam o potencial de desenvolvimento hoje, pois se baseiam numa compreensão antiquada dos chamados 'direitos autorais', antagônica à sociedade de conhecimento ou informação que estamos tentando criar. Por isso, o Partido Pirata defende a legalização das cópias privadas, mesmo porque não é tecnicamente possível proibi-las", consta do programa do partido.

Logo der Piratenpartei
Logotipo do Partido Pirata

Ainda assim, os piratas afirmam não defender a total revogação dos direitos autorais. Apesar de ainda não ter propostas muito detalhadas nesse sentido, o partido alemão pretende definir – em intercâmbio com a classe artística – possibilidades de liberalizar o trânsito de informação e ao mesmo tempo garantir a recompensa dos autores.

Contra o Estado de vigilância

Enquanto a meta de reformar os direitos autorais tende a gerar polêmica na Alemanha, a causa de combater todas as tentativas estatais de violar os direitos de personalidade e a proteção de dados conta com um respaldo político muito maior, sobretudo por parte de partidos e eleitores de esquerda.

Ao exigir maior respeito aos direitos fundamentais, o Partido Pirata insiste sobretudo no direito de o cidadão controlar o que é feito com seus dados pessoais. Além de reivindicar a autonomia política dos encarregados governamentais de proteção de dados, os piratas exigem que toda pessoa seja informada sobre o arquivamento de informações suas em bancos de dados centralizados e possa corrigi-las, interditá-las ou requerer que sejam apagadas do sistema.

Essa reivindicação se volta contra inúmeras medidas implementadas ou cogitadas nos últimos anos pelo governo alemão, em nome do combate ao terrorismo: a possibilidade de as autoridades acessarem computadores pessoais, o uso de câmeras de vigilância, a introdução de carteiras de identidade e passaportes com dados biométricos, o arquivamento de informações de passageiros de aviões, a introdução de escaneadores de corpo nos aeroportos.

Além de reivindicar que todas as leis de vigilância promulgadas desde 1968 na Alemanha sejam revistas, o Partido Pirata exige que o governo tenha que obter aval parlamentar para endossar quaisquer medidas internacionais e europeias que impliquem violação dos direitos fundamentais.

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Piratas navegam no Spree, em frente ao Parlamento alemão, em BerlimFoto: picture-alliance/ dpa

Em todos esses pontos – e também em sua oposição às anuidades a serem pagas por estudantes universitários, por exemplo –, o Partido Pirata conta com a simpatia do eleitorado de esquerda. Tanto que a agremiação já conseguiu conquistar para seus quadros dois ex-parlamentares verdes, Herbert Rusche e Angelike Beer, esta ex-copresidente do Partido Verde.

No entanto, o aspecto "monotemático" da agremiação pirata – como a qualificam os críticos – dificulta localizá-la com exatidão dentro do espectro partidário de direita-esquerda. De fato, o Partido Pirata se engaja por maior transparência política e pelo direito de voz do indivíduo, mas é difícil saber qual seria seu posicionamento em relação a questões político-econômicas e sociais mais complexas. Um partido que tenta otimizar as vantagens da sociedade de informação moderna estaria, em tese, aberto a uma multiplicidade bastante imprevisível de posturas políticas.

Um caso isolado que questionou a posição do Partido Pirata dentro da paisagem política na Alemanha foi a descoberta de que um de seus filiados fizera parte da cena neonazista e ocupara um cargo de destaque dentro de uma organização de extrema-direita. Quando isso veio à tona, a sede partidária da Baixa Saxônia convocou o filiado para uma conversa e – após ele ter respondido todas as perguntas de forma convincente e persuadido os piratas de que sua trajetória neonazista era coisa do passado – endossou sua filiação.

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'Privacidade não é crime': defesa à proteção de dados tem forte apelo junto a eleitorado jovemFoto: AP

Nas próximas eleições do estado da Renânia do Norte-Vestfália, em maio próximo, o Partido Pirata confia que poderá obter uma votação superior à marca obrigatória de 5% e ingressar assim na câmara legislativa. Os partidos de esquerda, no entanto, tendem a manter distância dos piratas.

Arndt Klocke, líder do Partido Verde renano, considera impensável uma aliança com os piratas: "Eles têm graves problemas com a participação de mulheres e, além disso, sua relação com os extremistas de direita ainda não está clara".

Autora: Simone Lopes
Revisão: Augusto Valente