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Democracia

Enrique López Magallón (sv) 4 de setembro de 2008

Em entrevista à DW-WORLD.DE, o cientista político Colin Crouch explica seu conceito de "pós-democracia", analisa a influência do discurso midiático sobre processos políticos e aposta no fortalecimento da sociedade civil.

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Colin Crouch denuncia tempos de apatia e poder exacerbado da mídiaFoto: University of Warwick

O catedrático britânico Colin Crouch, especialista em Governança e Gestão Pública da Universidade de Warwick, desencadeou com seu livro Pós-Democracia um ferrenho debate não somente dentro do Reino Unido. Suas teorias vêm acompanhando, desde então, as discussões sobre o fim do Estado do bem-estar social na Europa e as ondas globais de privatizações.

Através de críticas ácidas à "mentalidade apática do cidadão contemporâneo", Crouch questiona a legitimidade das supostas democracias ocidentais e explicita as forças de manipulação da mídia e das estratégias de marketing – reais definidoras dos rumos da política. Leia abaixo entrevista com Colin Crouch:

DW-WORLD.DE: Muitos governos parecem atuar em nome dos interesses de multinacionais. Assessores de marketing determinam o nível e o conteúdo do debate público, enquanto parlamentares são guiados por lobbys. Tudo isso não significa, pelo menos do ponto de vista técnico, o fim da democracia tal como a conhecemos?

Colin Crouch: Os governos de países onde instituições democráticas são sólidas não podem trabalhar somente em função de multinacionais. E os assessores de marketing não podem tampouco controlar todo o debate. Onde os governos têm que enfrentar eleições seriamente disputadas, não é possível ignorar as necessidades do cidadão comum. De fato, o empresariado tem tamanho poder político porque os governos dependem do sucesso econômico para satisfazer as necessidades da população. E as empresas que parecem ter a resposta para tal sucesso.

Lembre-se de que meu livro Pós-Democracia trata de sociedades onde as instituições democráticas são sólidas e dos problemas surgidos dentro destas. As mesmas forças que você mencionou – multinacionais, estratégias de marketing – seriam muito mais prejudiciais num contexto em que a democracia fosse jovem e com raízes pouco profundas.

Na Grécia Antiga, Péricles promovia a democracia enquanto no país prevalecia a escravidão. Desde então, a democracia vem sempre sendo acompanhada de contradições. Neste sentido, não seriam os fenômenos que vocês descreve em seu livro como "pós-democráticos" simplesmente parte da evolução natural da democracia?

Volksabstimmung in der Schweiz über UNO Beitritt
Suíça, no centro da Europa, só permitiu às mulheres direito de voto em 1971Foto: AP

O significado da democracia depende da definição do demos, de povo. Até o início do século 20, as mulheres eram habitualmente excluídas do demos em sociedades que, por outro lado, viam a si próprias como democráticas. Hoje, excluímos pessoas abaixo de determinada idade, estrangeiros vivendo num país e, às vezes (como nos EUA) pessoas com certos antecedentes criminais. Os debates a respeito da inclusão na democracia são diferentes daqueles sobre a qualidade da democracia. É deste último que me ocupo.

Alguns dos sintomas descritos em seu livro estão presentes na América Latina, sem que a região tenha passado por uma fase prévia de consolidação da democracia. Não houve ali nenhum desenvolvimento democrático "parabólico", mas, mesmo assim, parece que a pós-democracia chegou à maioria dos países latino-americanos. Como você explica isso?

Como já disse, alguns dos fatores que produzem a pós-democracia podem aparecer em algumas sociedades isentas de uma democracia consolidada. Quando as democracias, hoje estabilizadas, estavam se formando, não havia tais forças como o capital global ou estratégias de marketing sofisticadas.

Isso certamente dificulta a vida das democracias jovens – na América Latina, no Leste e Centro da Europa, em partes da Ásia, onde essas forças já estão presentes. Será que é demasiado cínico acreditar que o entusiasmo atual em promover a democracia em todo o mundo, por parte das potências ocidentais, é resultado da convicção de que a democracia, hoje, pode ser efetivamente controlada?

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Desde a chegada de George W. Bush à Casa Branca, parece haver uma tendência crescente em considerar o poder como um negócio de família. O ex-presidente mexicano, Vicente Fox, tentou promover a candidatura de sua mulher à presidência. Na Argentina, Nestor Kirchner conseguiu eleger sua mulher como sua sucessora. Trata-se aqui de uma outra tendência "pós-democrática"?

As dinastias são características pré-democráticas. De fato, na maior parte da história da humanidades e na maior parte das regiões do mundo, tanto o poder político quanto o econômico vêm sendo controlados por famílias. Não estou certo se há aqui uma nova tendência.

Você afirma que especialistas em marketing controlm o debate político, principalmente durante campanhas eleitorais. Poderia citar um exemplo em relação à atual disputa entre Barack Obama e John McCain?

A política eleitoral norte-americana é tão completamente dominada por eventos midiáticos, que fica difícil identificar momentos que não são controlados pelos assessores de marketing. Uma conseqüência disso é que jornalistas, que realmente ressentem-se do controle de seus trabalhos, estão constantemente em busca de pequenas revelações, de pequenos segredos sujos, a fim de escapar da máquina do marketing político.

Präsidentschaftskandidat McCain und Vize Palin
John McCain e vice Sarah Palin: espetáculo para a mídiaFoto: AP

Lembre-se do momento quando McCain se esqueceu de quantas casas é proprietário (sete, de fato) e do embaraçoso pastor, amigo de Obama. Mas essas coisas desviam uma atenção excessiva para incidentes que na verdade têm pouca importância.

Recentemente, a Rússia trocou seu governo através de eleições livres (pelo menos ninguém as contestou em alto e bom som). No entanto, parece que o primeiro-ministro, e não o presidente, governa o país. Agora temos uma guerra na Geórgia, que pode causar uma instabilidade futura no Cáucaso e talvez até extensiva à Europa. Você vê um fundo "pós-democrático" nessa seqüência de eventos envolvendo a Rússia?

A Rússia é um caso de uma democracia muito, muito imperfeita, não de uma pós-democracia. Nunca houve um período de solidez democrática em toda a história do país.

E em relação à aparente tolerância da União Européia frente ao crescente regime autoritário na Rússia? Há aí também elementos pós-democráticos?

As relações entre os países têm raramente uma base moral. Elas se baseiam em interesses estratégicos e econômicos. Isso sempre aconteceu e não é realmente parte da pós-democracia.

Seu livro dá a impressão de que a democracia, hoje, não está em boa forma, não apenas em países pobres, mas também nos desenvolvidos. Neste sentido, minha última pergunta é bastante simplista: a democracia tem futuro?

Os propósitos de escrever sobre uma "distopia" são os de alertar acerca de perigos iminentes, de tal forma que as pessoas possam fazer alguma coisa para evitar o que está por vir. Para fazer isso, é preciso ser otimista.

Mas ainda tenho esperanças, nem tanto numa renovação da democracia eleitoral e nos partidos políticos, mas no desenvolvimento de uma sociedade civil sólida, capaz de alertar os cidadãos e os movimentos sociais que se opõem aos abusos de poder político e econômico em vários âmbitos. Embora esses movimentos não possam substituir a democracia formal, enfraquecida por aquilo que vejo como forças pós-democráticas.