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Sem graça

5 de abril de 2011

Quem consome álcool em excesso prejudica sua capacidade de entender piadas: uma sequela neurológica que também compromete a competência social, tanto na vida privada como na profissional.

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Foto: picture-alliance/dpa

Cerca de 2,5 milhões de pessoas na Alemanha são dependentes de álcool. Além das doenças típicas resultantes – incluindo cirrose hepática, pancreatite e danos musculares e cardíacos – o excesso alcoólico modifica sobretudo o metabolismo cerebral.

O resultado são alterações de comportamento, também manifestadas em pequena escala. Por exemplo: um indício de alcoolismo é a perda da capacidade de compreender piadas.

Piada como instrumento de medição

Quem "toma umas e outras" a mais acaba não achando mais graça em muita coisa – foi a constatação da neuropsicóloga Jennifer Uekermann, após uma pesquisa feita em conjunto com cientistas britânicos. As anedotas deixam as pessoas alcoolizadas simplesmente perplexas, pois a região do cérebro encarregada do processamento do humor não reage mais à "pegadinha" final, que dá a graça à narrativa.

Karikaturen des iranischen Karikaturisten Seyyed Mahmud Javadi zum Thema Gehirn
Pouco motivo para rir (desenho do caricaturista iraniano Seyyed Mahmud Javadi)Foto: Seyyed Mahmud Javadi

Piadas são um dos instrumentos utilizados pelos neurologistas para descobrir se e como os dependentes de álcool processam emoções e estímulos sociais. A seleção de 24 anedotas apropriadas para a pesquisa foi trabalho duro, que coube a Uekermann. "Fiquei responsável por escolher as piadas na internet: para isso li umas 20 mil. E elas tinham que preencher certos critérios, como não se dirigir contra minorias."

Uma questão era se os dependentes do álcool reagem a emoções nos rostos ou na linguagem falada. "A partir desses estudos que também realizei, passou a interessar-me o que se passa na cabeça de outras pessoas quando, por exemplo, são confrontadas com uma história ou uma anedota", explica a neuropsicóloga. Pois, afinal de contas, as piadas são caricaturas de interações sociais.

As duas fases da graça

Em termos científicos, o processamento do humor ocorre em duas fases. Primeiro, há a descoberta de uma incongruência e o seu esclarecimento. Em segundo lugar, vem a capacidade de também perceber a farsa como algo cômico. E isto depende da competência do ouvinte de se colocar na pele de outra pessoa, o que os neuropsicólogos denominam theory of mind.

Sob este aspecto, os pesquisadores britânicos apresentaram piadas incompletas a 29 alcoólicos e 29 pessoas saudáveis, dando-lhe como tarefa escolher a linha final adequada, entre quatro alternativas apresentadas.

Do primeiro grupo, poucos captaram a essência das piadas: sua cota de acertos foi de apenas 68%, contra 90% entre os não-alcoólicos. Um fato que denota deficit funcional-cognitivo, explica Uekermann.

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Álcool demais: na contramão do humorFoto: picture alliance/dpa

Humor privado e profissional

Entre as diversas regiões do cérebro responsáveis pela decodificação do humor, a principal é o córtex pré-frontal. Situado na região da testa, ele desempenha funções-chave na convivência humana, entre elas o processamento de estímulos sociais e os processos mnemônicos no planejamento e na solução de problemas.

Portanto, o fato de o córtex pré-frontal não reagir a uma piada – independentemente de o indivíduo cair na gargalhada ou não –, denota problemas no contato com outras pessoas, tanto na vida profissional quanto privada.

Os resultados dessa pesquisa formam para Uekermann a base de um treinamento de competência social no contexto da terapia do alcoolismo, "de modo a facilitar o dia-a-dia para os alcoólatras, diminuindo suas dificuldades interpessoais", explica.

Mesmo tendo que lidar forçosamente com o cômico, por motivos profissionais, a neuropsicóloga não desaprendeu o riso. "Em geral, ainda sou capaz de rir com vontade – em especial de mim mesma. Mas, assim, de piadas normais, é difícil rir depois desse trabalho."

Dá para entender perfeitamente, vindo de alguém que teve que medir o "fator divertimento" de 20 mil anedotas.

Autor: Klaus Deuse (av)
Revisão: Roselaine Wandscheer